O BICO FINO DO TIO LÚCIO



Por José Priante

Os anos 80 começaram com uma novidade na moda masculina brasileira: os elegantes sapatos de bico fino, que aposentariam o modelo “cavalo de aço”, de ponta arredondada.

Vindo do Rio de Janeiro, Tio Lúcio Mauro desembarcou num sábado em Belém calçando um belo par de bico fino marrom. Como sempre fazia, hospedou-se na casa da minha mãe Lilita. Após o jantar, Tio Lúcio foi tirar uma soneca antes de seguir para um compromisso artístico num clube de Belém.

Enquanto Tio Lúcio dormia, eu e meu irmão Paulo Sérgio recebíamos na casa da minha mãe meus primos Rubens e Lourival Júnior. Tínhamos entre 15 e 16 anos. Íamos para a inauguração da boate Signus Club. Todos de roupa nova e calçando bico fino, menos o Rubens, que apareceu com o já antiquado “cavalo de aço”. O protesto foi geral:O bico fino do Tio Lúcio

– Deixa de ser cafona! – reclamei. Se tu não arranjares um bico fino não vai pra boate. Meu primo gelou. E agora? Foi aí que alguém teve a brilhante ideia de pegar o belo bico fino do Tio Lúcio, que dormia feito Cinderela. Na ponta dos pés, Rubens entrou no quarto e sequestrou os sapatos do Tio Lúcio. Por sorte, o bico fino caiu como uma luva nos pés do Rubens, que passou a ostentar o sapato mais bonito da turma. Problema resolvido, fomos para a Signus.

Lá pelas dez da noite, Tio Lúcio acordou atordoado. Estava atrasado para o compromisso artístico. Pulou da cama e, rapidinho, vestiu um belo terno marrom, mas logo deu falta dos sapatos:

– Lilita, cadê meu bico fino? – perguntou, com sua voz rouca.

– Que bico fino? – retrucou Dona Lilita. Sei lá de bico fino!

–Meu sapato, meu sapato! – respondeu apavorado, enquanto procurava o bendito bico fino por todos os cantos do quarto. Já passando da hora do seu compromisso, só restou ao Tio Lúcio ir para o clube de terno, gravata e… tênis.

Já era madrugada quando saímos da boate. Caía uma baita chuva. As ruas estavam alagadas. Tivemos que meter nossos bicos finos na lama. Assim, encharcados, chegamos em casa. Antes de entrarmos, recomendei ao primo Rubens tirar os sapatos do Tio Lúcio, o que ele fez imediatamente. O bico fino do tio estava ensopado e coberto de lama. Rubens ainda tentou dar uma limpadinha, mas não adiantou. Sujo estava, mais sujo ficou.

Quando meti a chave para abrir a porta de casa, surpresa: mamãe colocara a tranca por dentro, não havia como abrir a porta por fora. Com o barulho, mamãe acordou e abriu a porta. Deu de cara com o Rubens ensopado e segurando nas mãos os sapatos do Tio Lúcio.

– Seu moleque sem vergonha! – ralhou, brava.

Entramos rapidinho, enquanto mamãe dava uns tapas no Rubens, que fugiu em direção ao quarto do Tio Lúcio e lá largou o par de bico fino. Por sorte, Tio Lúcio ainda não havia retornado. Fomos dormir, esperando a bronca do meu tio.

Amanheceu. Tio Lúcio não nos acordou. Retornou ao Rio de tênis. Deixou o bico fino no mesmo lugar. Tempos depois, num restaurante no Rio, contei ao Tio Lúcio o que aconteceu com o bico fino dele. Chorou de tanto rir até dizer:

– Ainda bem, meu filho. Aquele bico fino era muito afrescalhado!

Assim era a nossa relação com Tio Lúcio. Uma relação de amizade, amor, companheirismo, fratenal e muito divertida. E é assim que eu vou sempre me lembrar do meu querido Tio Lúcio Mauro.


* O autor é deputado federal e sobrinho do ator e comediante paraense Lúcio Mauro que faleceu no dia 11 de maio de 2019, aos 92 anos.

Postar um comentário

0 Comentários