Uma volta em nossa história férrea


Por Jece Cardoso



Foi a primeira ferrovia a ser construída em solo amazônico e também a primeira em território paraense, possuindo grande importância histórica para o Brasil.

A ferrovia começou a ser construída no ano de 1883 e já em 1884 foi inaugurado seu primeiro trecho, de 29 quilômetros, entre São Brás e Benevides. Em 1885, a E.F. de Bragança ganhou outros 29 quilômetros e atingiu a localidade de Itaqui, próxima a Castanhal, mas, as obras de construção ficariam paralisadas até 1901. Somente em 1908 a estrada atingiria a cidade de Bragança, chegando à sua extensão máxima.

Inicialmente, as intenções da ferrovia eram alcançar a capital maranhense São Luís, assim unindo os dois estados e suas capitais, porém isso nunca chegou a ser concretizado e a ferrovia se limitou à cidade de Bragança, as margens do Rio Caeté.
A E.F. de Bragança pertenceu ao Governo do Estado do Pará até 1936, quando foi entregue à União Federal. Em 1957, foi uma das ferrovias formadoras da Rede Ferroviária Federal, que desativaria e suprimiria suas linhas alguns anos depois.

As ferrovias exerceram, historicamente, considerável importância no contexto da formação do território amazônico. Seja enquanto instrumento de ocupação territorial ou como impulsionadora de processos econômicos estruturantes, tais empreendimentos, mecanismos de operacionalização de políticas de colonização, contribuíram para a formação socioeconômica da região, bem como para a promoção de múltiplos impactos no território paraense. O presente ensaio objetiva analisar alguns dos impactos socioeconômicos e ambientais decorrentes da implantação da Estrada de Ferro de Bragança, na zona bragantina do estado do Pará, e os aspectos gerais do processo de colonização da referida zona, durante o período áureo da exploração da borracha na Amazônia (1880-1920).

As ferrovias constituem importantes elementos de dinamização dos processos de ocupação da Amazônia, especialmente na região Nordeste do Pará. Além de impulsionar processos econômicos em curso, representaram os mecanismos de operacionalização de políticas de colonização no território amazônico. Nesse sentido, a ferrovia Estrada de Ferro Belém-Bragança se configura como instrumento central dessa dinâmica de ocupação, tanto por impulsionar processos em curso quanto por imprimir significativos impactos socioeconômicos e ambientais na região.

Remonta-se aqui ao final do século XIX, período marcado pelo avanço de formas capitalistas de produção em território amazônico, visando à obtenção de matéria-prima na forma da borracha originária da seringueira (Hevea brasiliensis), produto de considerável valor no mercado internacional de pneumáticos. Nesse momento histórico, a demanda pela mercadoria contribuiu para o aumento significativo da exploração da atividade extrativa, ampliando a escala de produção no território amazônico, cuja dinâmica induziu fluxos migratórios visando o atendimento das demandas por mão de obra nas cidades, no campo e nas áreas em que se fazia presente esta atividade extrativa.

Na esfera política nacional, o período em questão é marcado por transformações estruturais, como a desagregação progressiva do sistema escravista; a fantástica expansão da atividade gomífera, que chegava a ocupar o segundo lugar na pauta de exportações do governo brasileiro; o advento da República, no ano de 1889; o rompimento com a estrutura imperial centralizadora e a consequente construção de uma estrutura republicana, na qual as antigas províncias são elevadas à condição de estados-membros, que ganharam autonomia em razão da Constituição Republicana de 1891.

Nesse sentido, tornaram-se objetivas as possibilidades de usufruto de uma autonomia relativa por parte dos estados-membros, fato que permitiu aos mesmos contraírem empréstimos externos, organizarem forças militares e disporem das terras devolutas no seu território. Tais elementos refletiram decisivamente na redefinição das estratégias dos governos estaduais amazônicos, no que tange a expansão e consolidação de seus territórios e adequação de infraestrutura econômica para viabilizar a produção e comercialização da borracha.

A implantação de ferrovias para fomentar a colonização no Pará, as semelhanças e diferenças na dinâmica da ocupação da Amazônia Oriental, especificamente na mesorregião Nordeste do Pará fomentou a ocupação desse território onde está hoje os municípios metropolitanos e mais: a implantação da Estrada de Ferro Belém-Bragança foi o mecanismo de articulação e operacionalização da política de colonização no território da zona bragantina, durante o período áureo da exploração da borracha na Amazônia, considerando o intervalo de tempo entre as décadas de 1870 e 1960.

Quando foi iniciada a construção da ferrovia, em 1883, a primeira colônia agrícola da estrada de Bragança já havia completado oito anos de existência. Benevides, colônia localizada a 29 quilômetros de Belém, foi instalada no ano de 1875, recebendo imigrantes de diversas nacionalidades, em maior número os franceses. Contudo, as condições precárias de comunicação com centros urbanos e para o escoamento da produção fizeram com que os colonos migrassem para a capital. Apenas os cearenses, que foram chegando nos anos posteriores à instalação da colônia, ainda resistiam e desenvolviam atividades agrícolas. Tanto que no ano de 1878, segundo os relatos do então presidente provincial, José da Gama Malcher, na colônia de Benevides estavam localizados cerca de 800 imigrantes cearenses, que em função das secas no Nordeste, seguiram o caminho da Amazônia.

No dia 16 de junho de 1879, em fala diante da Assembléia Legislativa, José Coelho da Gama e Abreu, lastimava os motivos que conduziam imigrantes cearenses à província, que já ascendiam ao número de nove mil os localizados na colônia de Benevides. Apesar disso, no ano seguinte, o presidente provincial retrata a colônia como “desassombrada”, pois se contavam apenas cerca de 1.500 habitantes. Por outro lado, José Coelho da Gama e Abreu esperava que os trabalhadores ativos da colônia elevassem a produção de farinha ao triplo do que tinha sido produzido no ano anterior. Era, portanto, de origem cearense a maior parte da população que poderia ter celebrado a inauguração da linha férrea em 1884, quando foi concluído o primeiro trecho. As colônias de povoamento e produção agrícola na zona bragantina ganharam maior dinamismo em relação à sua implementação a partir da construção da Estrada de Ferro de Bragança.

Com a ferrovia o governo provincial já havia explicado a necessidade de introdução da força de trabalho de origem européia e o governo estadual insistiu no empreendimento, supostamente por considerar que o contingente de trabalhadores presentes na região já estava ocupado nas lavouras existentes. A marcha do povoamento não seguia o rumo da ferrovia, nem tampouco a ferrovia determinava essa marcha. Se o trem rumava para o leste da zona bragantina, não era só nessa direção que seguia o fluxo de povoamento. Pelo contrário. Os núcleos foram abertos para esperar a ferrovia, não só na direção de Bragança, mas também na direção de Belém.

*Segue na próxima publicação…

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