Santo Antônio do Prata - De aldeia a Leprosário




Por Ícaro Gomes
Imagens: Sandro Barbosa

O Blog recebeu as imagens sempre muito bem produzidas pelo fotógrafo Sandro Barbosa, um dos grande contadores de histórias e estórias no Pará por meio de suas lentes e perguntas diretas e simplistas: "Tu sabe alguma estória de visagem?"
Com o material fotográfico na Redação, coube-nos buscar socorro num trabalho de conclusão do curso de Pós-Graduação em Antropologia, perante à Universidade Federal do Pará, de Nílson Oliveira Santa Brígida "Entre Memórias e Esquecimentos: a Colônia do Prata como patrimônio olvidado". O nome Santa Brígida nos é muito familiar, afinal, inúmeros integrantes do clã vivem nas cidades e vilas de Salinópolis e Maracanã. Teve até o primeiro deputado de Salinas, Miguel de Santa Brígida, que nomeia a principal avenida do balneário.


Recontando o Prata, Pratinha, o caminho da roça...  


Havia o desejo dos Capuchinhos em reunir os indígenas Tembés dos rios Capim e Guamá para um núcleo em que pudessem viver sob a doutrinas da igreja "sem perder a alma". Segundo Palma Muniz, no livro O Instituto de Santo Antônio do Prata "após a realização das visitas, Frei Carlos de São Martinho regressou a Belém e recebeu do Procurador-Geral do Estado um pedido dos Tembé, localizados às margens do rio Prata, na nascente do rio Maracanã, para que fosse visitar suas aldeias. E assim foi feito. O local era mais próximo, no interior do município de Igarapé-Açu; o transporte mais rápido, com locomoção através da Estrada de Ferro de Bragança (EFB), e o fluxo de informações maior. Foi ali, pois, o local projetado para a instalação da Colônia Indígena Santo Antônio do Maracanã, que mais tarde seria a Colônia Indígena Santo Antônio do Prata". Então, inicialmente uma aldeia do povo indígena Tembé-Tenehara, habitantes históricos das margens do rios Gurupi-MA, Guamá, Piriá, Capim, entre tantos outros no Pará.

Então, o Prata torna-se um núcleo de colonização indígena.
Um novo desejo governamental surgiu anos depois, Heraclides César de Souza Araújo no livro "Lazarópolis do Prata", publicado em Belém pela empreza Graphica Amazonia, escreve sobre sua busca para instalação de um leprosário oficial no Estado do Pará. Era 1922, um ano após a instalação do Serviço de Prohylaxia da Lepra em Belém, período em que os casos de lepra aumentaram consideravelmente. Focos surgiam no interior, a busca por um lugar para se estabelecer um leprosário se fazia urgente. Não importava a localização, se no continente ou em uma ilha, bastava que a área tivesse um terreno agricultável considerável, facilidade de comunicação e não ficasse tão longe da capital. O governo traçava os mecanismos da doença que assustava o país com colônia agrícolas para isolamento e convivência dos infectados.
Ainda segundo o livro histórico, Souza Araújo (1924) chegou a visitar a ilha de Caratateua/PA, juntamente com o Governador, mas o ambiente não lhe agradou. Após, sugeriram-lhe analisar a conveniência de adaptação do Instituto do Prata como leprosário. Naquela época, o espaço não mais funcionava pela administração Capuchinha, tornara-se Colônia Correcional. O médico considerou a possibilidade e logo foi visitar o espaço, que de pronto o agradou. Narra que visitou os pavilhões do antigo instituto, o asylo que servira para a catequese dos considerados selvagens, os banheiros, sistema de captação de água e gás. Gostou tanto que ao sair logo solicitou ao capitão da chefatura de polícia um memorial para que pudesse tratar das negociações. Comunicou o fato ao então Governador, Dr. Souza Castro, o qual respondeu que teria o maior prazer em ceder a propriedade agrícola estadual ao Governo Federal para funcionamento do leprosário. (Souza Araújo, 1924).
É salutar ressaltar que a estrada de ferro de Bragança, essencial para o transporte da época, possuiu três ramais - os chamados Decauvilles -. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Estrada de Ferro Belém-Bragança possuía 294 Km, ligando a capital do estado do Pará ao município de Bragança, com três ramais distribuídos no decorrer de sua extensão, quais sejam Icoaraci (ex-Pinheiro), Prata e Benjamin Constant.

Prata - um lugar de muitas vozes

Rhuan Carlos dos Santos Lopes (2017)20 escreve que existe uma diversidade de vozes que compõem o Prata, posto que pela sucessão de usos, vários coletivos começaram a ocupar o espaço, muitas vezes de maneira compulsória refletindo um regime de instituição total. Em sua pesquisa enfatiza as narrativas Tembé e de ex-internos da Colônia para Hansenianos, no intuito de compreender como se conforma a paisagem para/entre essas pessoas. 
A lepra, hoje denominada hanseanise, precisava de respostas para que a sociedade se senti-se segura, como descrito por Manuela Castro (2017): tempo de confinamento, de isolamento compulsório, de disseminação do medo a partir da construção de um estereótipo e fortalecimento do estigma sobre uma doença, era o tempo da institucionalização do tratamento lepra".

A história da Hanseníase
Tempos depois, muito tempo mesmo, a Lepra foi desmistificada e numa homenagem ao médico que identificou o bacilo causador tornou-se hanseníase, conhecida desde os tempos bíblicos como lepra (Bíblia Sagrada). Conforme a doutora Letícia Maria Eidt, médica dermatologista, especialista em Hansenologia pela Sociedade Brasileira de Hansenologia, hanseanise é uma doença infecto-contagiosa de evolução crônica que se manifesta, principalmente, por lesões cutâneas com diminuição de sensibilidade térmica, dolorosa e tátil. Tais manifestações são resultantes da predileção do Mycobacterium leprae (M. leprae), agente causador da doença de Hansen, em acometer células cutâneas e nervosas periféricas. Foi o médico norueguês Gerhard Armauer Hansen, notável pesquisador sobre o tema, que identificou, em 1873, este bacilo como o causador da lepra, a qual teve seu nome trocado para hanseníase em homenagem ao seu descobridor (Foss, 1999 e Gomes, 2000). Durante as reações (surtos reacionais), vários órgãos podem ser acometidos, tais como, olhos, rins, supra-renais, testículos, fígado e baço (Talhari e Neves, 1997).
Se o M. leprae acometesse somente a pele, a hanseníase não teria a importância que tem em saúde pública. Em decorrência do acometimento do sistema nervoso periférico (terminações nervosas livres e troncos nervosos) surgem a perda de sensibilidade, as atrofias, paresias e paralisias musculares que, se não diagnosticadas e tratadas adequadamente, podem evoluir para incapacidades físicas permanentes (Brasil, 2001).

Esta doença representa, ainda hoje, um grave problema de saúde pública no Brasil. Além dos agravantes inerentes a qualquer doença de origem sócio-econômica, ressalta-se a repercussão psicológica ocasionada pelas sequelas físicas da doença, contribuindo para a diminuição da auto-estima e para a auto-segregação do hanseniano (Eidt, 2000).

A taxa de prevalência no Brasil é bastante variável, oscilando entre 0,4 a 17 casos por 10.000 habitantes (Brasil, 2001). As Regiões Norte e Nordeste apresentam as mais altas taxas de prevalência, concentrando maior parte dos casos.
A hanseníase tem tratamento e cura. Porém, se no momento do diagnóstico o paciente já apresentar alguma deformidade física instalada, esta pode ficar como sequela permanente no momento da alta. Este dado reforça a importância do diagnóstico precoce e do início imediato do tratamento adequado para a prevenção das incapacidades físicas que a evolução da doença pode causar.

E de quem é o Legado?


Há nos tempos atuais uma disputa silenciosa pela memória do local, principalmente, em relação ao patrimônio histórico que serve de de referência de acordo com a cultura do morador. De um lado, os indígenas Tembés, que habitam a aldeia Jeju em Santa Maria do Pará e que foram habitantes do Prata quando da instalação do Núcleo Indígena. Segundo os mais antigos Tembés, a escola tinha masculino e outra para o feminino.
Depois de desativado o núcleo indígena, veio a colônia agrícola correcional, que abrigava presidiários da casa penal São José de Belém, em atividades laborais.
Bem depois, ocorre a instalação da colônia agrícola de hansenianos e hoje ainda há muitos ex-internos que buscam preservar o local onde estão a maior parte de suas vidas. Para cada grupo, os prédios têm significados diferentes.


























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