Tio Eurico e sua caravela
Ícaro Gomes
Tio Eurico - um senhor de 76 anos – é aquele tipo de pessoa sóbria, simples e muito trabalhadora. Conhece esse “mundão” que Deus nos deu. Na adolescência pensou em manter a tradição de seu pai e seguir a carreira de lavrador. Trabalho de sol a sol e percebeu que pouco conseguia na roça, pois trabalhava muito - plantando, cuidando e colhendo. Na safra, só conseguia dinheiro para comer e o pouco que sobrou investiu em sua única calça comprida e numa camisa nova. Era um tempo difícil, notou que - sem ajuda - na roça ficaria todo tempo magro, sem aquela barriga de chope, pois se alimentava mal e andava muito durante o dia. Seria igual a tantos que torcem para completar 60 anos e se aposentar, daí se tiver sorte ainda vive mais 10 anos recebendo um salário mínimo do governo federal e tchau e benção.
O velho Eurico resolveu trilhar outros caminhos. Na curiosidade, conseguiu a oportunidade de trabalhar como aprendiz de topógrafo, tudo na prática e nada de curso que o pudesse capacitar para a função. Mas, a força de vontade foi tamanha que conseguiu aprender o árduo ofício da topografia – numa época que no Brasil era moda desbravar florestas, colônias, corruptelas, enfim... O período áureo da colonização da Amazônia. E lá vai Tio Eurico e a profissão de “matador de cobras” no meio do mato, mede pra cá, mede pra lá. Tinha trabalho pequeno de medição de assentamentos de colonos, outros maiores de abertura de picos para colocação das imensas torres de energia elétrica que traziam o desenvolvimento. E tio Eurico viajou muito, foi ao Oiapoque, Monte Alegre, Monte Dourado, Rondon, Dom Eliseu, Açailândia e tantas outras regiões. Participou ativamente da construção da usina de Tucuruí, hoje arregala o olho quando ouve falar de Belo Monte.
Um de seus filhos conceitua o seu pai como um grande sonhador, um homem de projetos. Ele realmente sonha muito. Tem muitos projetos, vive delirando que pode mudar o mundo com suas invenções. Já fez “de um tudo” até se aposentar. Participou do movimento dos sem terra e desbravou - mesmo com dificuldades físicas - áreas na ilha de Mosqueiro, agora já está no Moju.
Tio Eurico iniciou um novo projeto – quer mesmo construir uma Caravela, coisa grande, com mais de 18 metros. Deseja navegar muitos rios, quem sabe até o Xingu, antes mesmo da grande barragem da Usina. Às vezes fico pensando que titio seria uma reencarnação de Noé. Mas, se tal fosse possível, ele iria navegar mares enfrentando tsunamis. Sei não. As caravelas foram importantes para o homem, o mundo foi sendo descoberto apartir das grandes navegações, especialmente, as terras americanas. Será que titio desconfia dos satélites e entende que novas terras ainda podem ser descobertas?
A verdade é que se tratando do titio, sei que ele tem razão, é um homem honesto, sério, vindo dele qualquer iniciativa reconheço como verdadeira, pois ele sempre tem razão. Acredito que a caravela tem sentido, pode servir para variadas funções – podemos reunir num fim de semana toda a família, uma grande quantidade de primos, num belo passeio pela ilha das onças. Seria muito bom. Ou quem sabe sair numa expedição desbravadora pelos rios da Amazônia fazendo aquelas coisas que estão na moda – oferecer cursos para ribeirinhos. Tem tantas coisas que podemos fazer com uma caravela. Numa caravela podemos fazer uma pescaria pelo rio Maracanã, usando anzóis - nunca as redes proibidas pelo IBAMA, pela ICM bio, pelo Biotônico Fontoura.
Tio Eurico tem razão. Nada melhor que embalar sonhos, sorrir, viver...Tocar a vida com o coração, usando a razão, usando o saber. E seguimos navegando, rompendo águas, colorindo o imaginário do mundo amazônico. Os cálculos não são mais feitos pelos teodolitos topográficos, mas em modernos aparelhos de GPS, tudo pelo satélite. Valei-me, Tio Eurico!
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