Encontro com a morte no motel

Joelson: solidão, calma e cilada pela web

Convidado para passar o Natal do ano passado em casa, Joelson não foi. Faltou também à comemoração do Dia das Mães, festejado como todos os anos na casa em que foi criado, na travessa Afuá, no conjunto Medici II, em Belém. O comportamento estranho iniciado com um relacionamento através da internet chamou a atenção de toda a família, mas a preocupação maior veio depois que avisou a poucos primos que se mudaria para Macapá para encontrar com a mulher que conversava durante todas as noites pelo computador, há aproximadamente um ano.
O tio, Marihugo Siqueira, com o qual Joelson morou por um ano, desconfiou. Mesmo sem saber do próprio sobrinho que ele se mudaria, o chamou para conversar. “Joelson, soube que tu estás indo embora para Macapá. Não faz isso”, disse o tio, indo direto ao assunto. “Talvez lá esteja a minha sorte”, recebeu como resposta. “Se for por isso, arranja um ponto aqui que eu monto uma lanchonete para ti”. A proposta não convenceu.
Cerca de 30 dias após a conversa, que terminou por afastar mais ainda o sobrinho do tio, Joelson começou a mudança da casa onde morava sozinho, na rua Vinte e Quatro de Agosto, no bairro da Marambaia. Durante a tarde do último sábado, colocou os eletrodomésticos que ainda haviam sobrado em uma Kombi que levaria a mudança para um porto com destino a Macapá. Ele iria depois.
Com a passagem comprada para encontrar quem ele se referia como “seu amor”, estava tudo certo para que ele embarcasse para Macapá na segunda-feira (11 de julho). Antes disso, porém, recebeu um chamado da mulher com quem iria se encontrar, identificada por ele apenas como Nathália.
Antes de ir ao encontro da namorada, na noite do último domingo, esteve em uma das lanchonetes do tio Marihugo Siqueira, onde confirmou para o marido de sua prima que estava tudo certo para a viagem. Com a promessa de que voltaria para lanchar, ele seguiu para um cyber na rua da Mata, também no bairro da Marambaia. Não voltou.
No caminho, encontrou com o amigo Rodrigo, que fazia entrega de lanches para a lanchonete de Siqueira e contou que estava indo a um motel ao encontro de Nathália. Com apenas R$ 4,50 no bolso, pediu a Rodrigo que o levasse até a rodovia BR-316, no motel onde a namorada esperava por ele. O amigo não pode levá-lo tão longe. Tinha entregas para fazer durante o dia. Mas, para ajudá-lo, deu uma carona até a última entrega, na avenida Rodolfo Chermont.
Ao se despedir de Rodrigo, entrou em uma farmácia que fica na avenida: foi ao caixa eletrônico, sacou dinheiro e, após acertar o preço de R$ 14, seguiu em um mototáxi para o encontro que lhe valeria a vida. Durante a corrida, uma ligação confirmou o número do quarto que deveria entrar: 403. Ele tinha pressa.
O contato de Joelson com pessoas conhecidas terminou quando o mototaxista o deixou em frente ao motel. Foram ao seu encontro mais três pessoas, que chegaram em um táxi. Após três horas, começaram a deixar o motel de forma dispersa, cada um em um carro. Joelson ficou.
Às 10h da manhã de segunda-feira, funcionários do motel, no bairro da Guanabara, desconfiaram do pouco movimento. Confiada na intuição, uma camareira bateu na porta do quarto várias vezes para ver se estava tudo bem. Sem resposta, abriu a porta devagar e se deparou com a cena do crime.
O corpo de Joelson estava dentro de um saco sem mais ninguém no local. Decapitado e sem a ponta dos dedos - ambos foram cortados nas juntas - o corpo quase não podia ser identificado. Apesar do choque causado pelo sumiço de partes do corpo, a suspeita da polícia é de que a vítima tenha morrido com as dez facadas desferidas nas costas e as outras três no peito. O esquartejamento, programado para dificultar a identificação, veio depois, seguido da lavagem e ensacamento do resto do corpo.
Criado com a avó, fechado e afeito a computadores
Joelson Ramos de Souza, 32 anos, foi criado pela avó. Apesar de seu pai e irmãos morarem em Macapá, foi ainda recém-nascido para a casa da travessa Afuá, no Conjunto Medici II, onde cresceu. Criado em meio aos tios e primos, ele sempre foi muito ligado à família.
A confirmação de que o corpo encontrado no motel era mesmo dele veio com a desconfiança de Marihugo Siqueira, que além de tio lhe serviu de pai e mãe, depois que a avó de Joelson faleceu. Preocupado com o sumiço do sobrinho desde as 20h de domingo, Siqueira foi até o Instituto Médico Legal para ter mais informações sobre o caso de crueldade que já estava estampado em todos os jornais.
Branco, um metro e meio de altura, calçando número 37 e com uma cicatriz profunda no braço esquerdo. Com essas características confirmadas, Siqueira não teve dúvida. O rapaz morto em um motel era mesmo seu sobrinho. “Ele era pequeno”, descrevia o tio. “Não podia dar 100% de certeza porque ele estava sem cabeça, mas eu tinha 90% de certeza de que era mesmo o meu sobrinho”.
Mesmo com a certeza da família, a identificação oficial veio após a realização de um exame de DNA. Vindo de Macapá, o pai de Joelson, Jorge Damião, colheu amostras de sangue que confirmaram a forte suspeita.
Apesar do menor grau de parentesco, quem se lembra da personalidade de Joelson com mais clareza é o tio. “Era um menino que nunca discutia com ninguém. Desde criança, quando eu brigava com ele, e não respondia”, lembra. “Era uma pessoa muito tranquila”.
Mesmo que falasse pouco sobre o relacionamento que mantinha com Nathália, ele contava detalhes apenas para alguns primos mais próximos. Dizia estar feliz com a decisão. De qualquer modo, o namoro chamava atenção. “Essa foi uma relação incontrolável, anormal”, afirma Siqueira. “Ele comprou uma central de ar para ela, uma cama. Dizem que ele ficava dia e noite no computador”.
O comportamento também era percebido pelos vizinhos. Morando sozinho desde os 24 anos, quando disse para o tio que queria mais liberdade, ele mantinha poucos relacionamentos na rua. “Ele não conversava muito com o pessoal. A visita que ele tinha era só do computador”, lembra um vizinho que prefere não se identificar. “Ele era muito fechado, mas era um cara que não fazia mal para ninguém”.
Demonstrando perplexidade pela forma como Joelson foi assassinado, o vizinho sabia pouco da rotina dele. “Chegava do trabalho de manhã e depois se trancava aí dentro e ninguém mais via”.
No trabalho em uma faculdade particular, onde começou como vigilante, também não demonstrava nenhum comportamento agressivo. Ao contrário. O bom desempenho fez com que fosse promovido a auxiliar administrativo. Mesmo com a boa colocação e estabilidade, pediu demissão no dia 30 de junho para se mudar para perto da namorada.
NAMORO
Apesar de manter o relacionamento de aproximadamente um ano pela internet, Joelson conheceu Nathália pessoalmente em Macapá. Em uma temporada de três meses na casa do irmão, ele conheceu a mulher pela qual se apaixonou e que, após a sua morte, é a principal suspeita do crime. “Ele não falava muito dela. As informações que eu tenho dos irmãos dele é de que eles teriam se conhecido em Macapá”, lembra o pai, Jorge Damião.
Morando na casa do irmão que ficava próximo a casa da família de Nathália, os dois foram vistos juntos algumas vezes. “Nunca me disseram que Joelson teve um caso com ela. Disseram apenas que se conheceram lá”.
Foi após a volta para Belém que se iniciou o relacionamento. Apesar de ter parentes em Macapá, Jorge Damião, acredita que ela não estava lá. “Ela não ficava em um lugar fixo. Ela não parava”.
INVESTIGAÇÃO
Até o momento, a polícia tenta identificar o paradeiro da mulher conhecida como Nathália. Segundo o delegado responsável pelo caso, Luiz Xavier, as buscas aos assassinos se concentram na Região Metropolitana de Belém e cidades próximas. Na sexta, a polícia confirmou ainda que o casal que está sendo investigado esteve hospedado em um kitnet localizado no município de Santa Izabel do Pará.
(Diário do Pará)

Postar um comentário

0 Comentários