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Imagem - Savio Maiandeua |
Por Fábio Fonseca de Castro
Porta Uruá-Tapera

Porta Uruá-Tapera
O presidente Lula nomeou, ontem, depois de muitos meses de atraso, o presidente da COP 30, que vai ocorrer em Belém. E isso, aparentemente, é uma mensagem política ao governador do Pará.
Afinal, a nomeação ocorre em meio ao fato político mais significativo, na Amazônia, neste mês de janeiro: a ocupação da sede da Secretaria de Estado da Educação por povos indígenas, em protesto a um dos projetos de lei mais absurdos da história recente da Amazônia, a extinção da educação presencial nas comunidades tradicionais.
O referido atraso (na nomeação do presidente da COP, e não – embora igualmente… – nas políticas públicas) se deve ao fato de que havia intensa disputa, nos bastidores do poder, pelo cargo. É fato público e notório que o governador do estado disputava o posto, em função do prestígio que vem junto com ele. Nomes importantes do Governo Federal, como a ministra Marina Silva e o ministro Fernando Haddad, também estavam na disputa. Outros nomes no mundo político, igualmente, ambicionavam o posto. O presidente Lula e uma parte do governo, ao contrário, desejavam um nome técnico e que tivesse, igualmente, magnitude e legitimidade política.
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Imagem - Sandro Barbosa |
E essa escolha prevaleceu. O presidente da COP 30 será o diplomata André Corrêa do Lago, um nome excelente – talvez o melhor, dentre os pretendentes ao posto. Afinal, ele desempenhou papel de negociador, representando o Estado brasileiro, em diversos eventos sobre o clima, as mudanças climáticas e as diversas questões ambientais, inclusive na Rio+20 e nas últimas reuniões do G20. Um nome técnico e com magnitude política, pois Corrêa do Lago foi embaixador do Brasil no Japão em 2013-18 e na Índia em 2018-23, além de ter servido nas embaixadas brasileiras de Madri, Praga, Washington e Buenos Aires. É um nome muito melhor do que qualquer outro do mundo político, pois sendo funcionário público de uma carreira de Estado que não permite, eticamente, a disputa político-partidária, constitui-se como a possibilidade de uma COP produtiva, ética e atenta aos horizontes que a motivaram: as questões climáticas e ambientais.
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Diplomata André Lago, presidente da COP 30 e Lula |
Quanto ao governador do estado do Pará, se há de convir que, em pleno ano de COP 30, não deveria haver espaço para propostas tão absurdas como a extinção do Somei – Organização Modular de Ensino Indígena – responsável pelo ensino médio presencial nas comunidades indígenas do estado, substituindo-o por um modelo de ensino à distância através de um certo Centro de Mídias da Educação Paraense (Cemep).
Trata-se de um erro social, cultural e político monumental, um dos maiores “tiros no pé” da história política do estado do Pará. Algo que deverá entrar para a história e que viraria anedotário de Sebastião Nery – o autor de vários livros sobre “folclore político” brasileiro, caso fosse vivo. E isso ocorre num cenário em que o governo passou a advogar propostas de extinção de órgãos responsáveis por diversas políticas sociais, como a de extinção da Fundação Cultural do Pará, da Fundação Paraense de Radiodifusão, com suas TV Cultura e Rádio Cultura, da Secretaria da Mulher, da Secretaria de Igualdade Racial e Direitos Humanos, da Secretaria de Esporte e Lazer, da Secretaria de Agricultura Familiar, da Fundação de Apoio para o Desenvolvimento da Educação Paraense, da Escola de Governança Pública do Estado do Pará, da Agência de Regulação e Controle de Transporte do Estado e do Núcleo de Gerenciamento do Programa de Microcrédito Credicidadão.
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Imagem - Sandro Barbosa |
A impressão que se tem é que houve, de repente, um apagão da inteligência no Governo do Pará. Ou então que houve, de repente, a influência de alguém ou de instituições – algo forte, o suficiente, para permitir que o governo se deixasse levar, corroendo e desperdiçando seu capital político em pleno ano da COP 30.
Afinal, como é possível, de uma hora para outra, tentar reverter tantas políticas públicas sociais que se caracterizam, justamente, por uma aderência à imagem pública de um governo comprometido com as problemáticas socioambientais?
Segundo alguns interlocutores que tenho no Governo Federal, a ocupação da Seduc pelos povos indígenas, somada aos protestos que estão ocorrendo em todo o estado, quase estalaram os vidros do Palácio do Planalto. É como se Helder Barbalho tivesse tirado uma daquelas cartas de jogo de tabuleiro onde está escrito “recue dez casas”. E isso possibilitou o avanço de Lula e do PT sobre a pressão política que vinha sendo construída a partir do MDB a respeito da COP 30.
E, com o capital político desperdiçado, rapidamente Lula derrogou as ambições do Pará de presidir a COP 30 e nomeou o embaixador André Corrêa do Lago para o posto. A COP 30 agradece e a Amazônia também. Em coisa séria, não precisamos de políticos que desejam prestígio, mas sim de pessoas com capacidade intelectual, com presença efetiva no debate público e com habilidade para a negociação de alto nível. A COP 30 é muito importante para que seja ocupada por espectros políticos.
Vejam, eu sou um dos muitos paraenses que torciam para que o governo Helder Barbalho desse certo. Ainda que não partilhe dos horizontes políticos do MDB, reconheço o papel do governo Helder na luta contra o bolsonarismo, na disputa pela defesa da saúde pública e na própria eleição de um projeto de Governo Federal racional e comprometido com o desenvolvimento social e ambiental responsável. No entanto, o desmonte das políticas sociais e as políticas de aberturas ao capital estrangeiro seguem os passos do bolsonarismo no Estado do Pará.
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Quilombolas na Seduc por Sandro Barbosa |
Ocorre que houve esse apagão. Esse apagão de inteligência. Ocorre que houve essa mudança radical, essa perda de rumo, esse tiro do pé. Sim, alguns diriam: esse tiro no pé – que na verdade parece ser no próprio coração. De todo modo, é muito forte a impressão de que algo aconteceu.
Como amazônida, paraense, belemense, etc, eu teria – humildemente – um conselho a dar ao governador: mude o rumo. Urgentemente. Volte atrás, demita o secretário Rossieli Soares. Substitua seus assessores que estão fazendo o senhor entrar nesse caminho. Revogue esse projeto de lei. Valorize a experiência social amazônica, a pluralidade e a educação dialética – aquela que não tem “tutores” ou “mestres”, mas, sim, interlocução. Do jeito que está indo o senhor está construindo uma COP 30 marcada por protestos – uma COP 30 na qual toda a maquiagem em curso da cidade de Belém vai desbotar, molhada pela primeira chuva. Chega de provincianismo e do wookismo sempre colonialista das elites belemenses: vamos ouvir o que os povos tradicionais da Amazônia têm a dizer.

Fábio Fonseca de Castro é professor da Unversidade Federal do Pará e atua nas áreas da sociologia da cultura e do desenvolvimento local. Como Fábio Horácio-Castro é autor do romance O Réptil Melancólico (Editora Record, 2021), prêmio Sesc de Literatura.
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