CAUSOS & CONTOS II - Por Sônia Maltez Pinheiro




COISAS DO DESTINO

Lá pelos idos dos anos cinquenta, chegou na cidade um rapaz chamado Mauro, que dirigia um carro de distribuição de refrigerantes. Era um moço muito bonito, sua barba sempre bem feita escondia discretamente no queixo um charmoso furinho, seu corpo era coberto de pelos, ( na época os pelos valorizavam a beleza física masculina).
No pulso direito usava um relógio de ouro da marca Seiko e no pescoço uma corrente com um escudo do Paysandú, tudo em ouro maciço, jóias que em contato com os pelos do seu corpo o deixavam irresistível aos olhos das moçoilas, que suspiravam diante de tanta beleza. Disputado pelas beldades da terrinha devido sua beleza, charme, extrema simpatia e educação, se relacionou com tantas que perdeu as contas. No decorrer de suas viagens para abastecer a cidade com refrigerantes, acabou engravidando duas jovens que nada sabiam uma da outra, pois apesar de namorador ele era bastante discreto. O tempo passou e as crianças nasceram , primeiro Sandra que com alguns meses através da vó materna foi dada em adoção para uma família vizinha que não tinha mais crianças em casa. A outra menina Cássia nasceu dois anos depois e foi criada normalmente pela mãe e futuramente pelo padrasto.
Alguns anos depois Mauro conheceu Marta, uma jovem filha de família tradicional e abastada da cidade. O namoro ocorreu com todos os trâmites de relacionamento sério, namoraram de porta com a presença dos pais, noivaram e casaram em uma cerimônia bastante pomposa.
Da união de Mauro e Marta nasceram Selma, Luiza e Carlos. Um detalhe curioso é que Sandra a filha mais velha foi convidada pela noiva para ser sua dama de honra. O curioso era que ninguém sabia ou ao menos desconfiava de nada, mas Mauro sabia que Sandra era sua filha. Chegaram os anos sessenta e as meninas cresceram, o sangue falou tão mais forte que do nada surgiu uma amizade muito grande entre Sandra e Cássia .
Com o passar do tempo também se solidificou uma amizade muito forte entre Sandra, Selma e Luíza, que sem terem conhecimento dos fatos, uma chamava para outra de "mana".
Nos anos setenta todas estavam moças, e a verdade sobre a paternidade veio a tona em caráter literalmente discreto.
Porém Cássia não teve nenhuma consideração de irmã por parte das filhas legítimas. Mas Sandra por fazer parte da família continuou tendo o mesmo carinho e amizade das irmãs.
Sempre quando havia festas religiosas ou época de férias, Mauro e família vinham para a casa do sogro.
O enredo principal desta história acontece durante uma viagem que a família fez para passar o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, na cidade. Sábado ao chegar, Cássia foi logo procurar Sandra para irem dar uma volta e verem como estava o movimento na cidade, logo combinaram para a noite irem juntas a primeira noite de arraial.
Lá se foram as duas de bicicleta, porém no meio do caminho resolveram parar em um bar onde um grupo de amigos estava fazendo uma roda de samba muito animada.
Ocuparam uma das mesas vazias, pediram um refrigerante para cada, e ficaram curtindo a animação do ambiente.
De repente Cássia deparou com um rapaz sentado sozinho em uma mesa secando uma terceira garrafa de refrigerante. Ela não tirava o olho dele que ao notar o interesse dela se aproximou se apresentou com o nome de Danilo e perguntou se poderia sentar-se a mesa com as duas. Papo vai papo vem, o interesse mútuo entre os dois aumentando levou-os a marcarem de se encontrar no arraial a noite. Após o acerto entre os dois, no decorrer da conversa Cássia perguntou para Danilo se ele morava na cidade, quem era sua família e tudo mais. Ele respondeu que trabalhava em Belém, mas que tinha nascido numa vila em um quilômetro afastado, que o nome de sua mãe era Odete, e que ela ainda morava lá, e que ele não conhecia o pai, tudo que sabia era o que sua mãe tinha revelado, que o pai dele era branco, tinha os cabelos pretos, barba e um furo no queixo, que ele usava um relógio de ouro e um cordão com o escudo do Paysandú (na verdade essas eram suas marcas registradas) e que ela o tinha conhecido ele em uma de suas viagens de entrega de refrigerantes na vila, pois quando passava tarde da noite por lá, ele pernoitava na casa do comerciante local.
Nesse momento elas ficaram estupefatas, sem acreditarem no relato que estavam ouvindo. Cássia tinha se encantado com o rapaz e tinha a intenção de paquerar com ele (hoje o termo usado é ficar).
A conversa corria normal até que ela fez a pergunta que não queria calar.
- Danilo mas tua mãe te falou como teu pai se chama?
E ele respondeu:
- Sim, o nome dele é Mauro Fernandes, apesar de que nem sei se ele ainda está vivo.
E as duas ficaram sem ação e ao mesmo tempo sem graça, pois tinham acabado de comprovar que estavam diante de mais um filho do pai delas ou seja, mais um irmão para o rol.
Cássia olhou para Danilo e disse que estava arrasada, pois se a conversa não fosse estendida, se ela não fosse tão curiosa e não fizesse as perguntas que fez, a noite ela estaria paquerando com seu próprio irmão. O susto foi acompanhado por alguns segundos de silêncio enquanto os três se olhavam sem ação.
Porém após o susto eles quebraram o silêncio e mantiveram o encontro, mais aí a situação havia mudado, e o que prevaleceu foi a alegria de saber que todos a mesa tinham o mesmo sangue, e que tinha se dado bem com ele, independente das circunstâncias em que se conheceram. O destino talvez tivesse preparado esse encontro. A partir daí trocaram endereços e mantiveram a união por longos anos, até ela se mudar para outro estado e constituir sua própria família. Sandra e Danilo só se viram nesse dia.

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