Quem ganha e perde com a industrialização das cadeias de açaí e cacau?




Foto: Ipam

As cadeias produtivas do cacau e do açaí estão entre as principais da região amazônica, sendo o Estado do Pará o maior produtor. Porém, há uma carência de informação sobre o que ocorre no campo. Tampouco há um espaço onde dados confiáveis sobre essas cadeias estejam concentrados.

Por exemplo, fala-se que o açaí de plantio produz mais que o sistema de várzea, mas não há quem monitore esses dois lados porque não se sabe quantos batedores estão metidos no meio da floresta para apanhar o fruto, quanto catam, quanto ganham, para onde vai o açaí, se cuidados sanitários são observados, se o açaizeiro de plantio está derrubando muita espécie que não deveria, se está abrindo área sem qualquer necessidade e por aí vai. Trata-se de um setor da economia, praticamente, operando às cegas.

Isso ocorre enquanto quem tem dinheiro consegue industrializar esses setores, com equipamentos modernos visando à exportação. Só que, enquanto os produtos ganham o mundo, muitos batedores veem pouco a cor do dinheiro.

Você sabia, por exemplo, que os preços do cacau e do açaí na cidade aumentaram 200% em menos de oito anos? Que tem muita gente derrubando floresta para plantar açaí porque acham que é a nova Serra Pelada? Que os poucos que têm freezer estão ganhando mais com o açaí do que o batedor que conhece de cor e salteado o campo? Que tem muita gente vendendo açaí sem indicar de onde vem? Que tem muito açaí chegando a Belém sem qualquer controle sanitário? Que tem muito barqueiro entrando no negócio, mas explorando ao máximo o batedor? Que o mercado de açaí de plantio tem crescido mais rápido que o de várzea, avançando sobre a floresta? Que tem muita obra nas margens dos rios, como portos, levando a água de todos para uso particular, comprometendo as lavouras de várzea de açaí? Que o batedor ganha uma miséria com açaí?

A cadeia de açaí beneficia cerca de 300 mil produtores em todo o País e, se considerada apenas a produção de polpa, poderia ter uma lucratividade de até US$ 1.500 por hectare/ano, segundo o cientista Carlos Nobre. Os batedores de açaí, contudo, se encontram ameaçados pelo avanço de grandes empresas processadoras que colocam em risco seu trabalho artesanal e informal.


Se a cadeia do açaí for dominada por monoculturas e grandes indústrias, a floresta pode ser desmatada e comunidades extrativistas e agricultores familiares podem perder seu sustento. Esses modelos atuais mantêm modos de vida tradicionais e também são uma alternativa à soja e ao boi”, afirma Eugênio Pantoja, diretor de Políticas Públicas e Desenvolvimento Territorial do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

Com relação ao cacau, mesmo o Brasil sendo o sétimo maior produtor dessa fruta do planeta, o país ainda precisa expandir sua produção para acomodar o seu consumo doméstico. O caminho da industrialização, no entanto, sem participação dos catadores de cacau, que se enfurnam no meio do mato, após percorrer horas numa embarcação, apresenta o mesmo risco para o extrativistas, com o agravante de que a industrialização não conseguirá identificar jamais o melhor cacau no meio da floresta. Isso é coisa para quem entende de mata e rio, ou seja, o trabalho entre grandes e pequenos deve ser conjugado.

Ajeitar esse setor é difícil pela falta de coordenação entre cadeias produtivas e de lacunas de informação. Com a pandemia do novo coronavírus, o setor usou muito a internet para vender seus produtos, mas o problema é que o frete sai caríssimo caso o produtor envie chocolate de Santarém para o Rio de Janeiro, ainda mais em tempos de guerra no Leste Europeu, produtor de petróleo. O chocolate paraense chega a Paris, mas não chega a Belo Horizonte (MG).

A produção de cacau foi de 145 mil toneladas em 2020. No mesmo ano, foram registrados 350 mil empregos diretos e indiretos associados à essa cadeia no Pará. A produção cresce 6% ao ano e está distribuída pelo estado. Na região da Transamazônica (BR-230), os maiores produtores são Altamira, Anapu e Brasil Novo.


“Queremos manter a produção do cacau em sistemas agroflorestais e não em monoculturas, como ocorre na Bahia. Isso manterá a integridade dos ecossistemas, a biodiversidade e as fontes de renda da agricultura familiar. Maior produção também pode ser obtida com a recuperação de passivos florestais com culturas de cacau, algo permitido no Pará”, destacou o diretor do Ipam.

Pensando em questões como essas, o Ipam, em parceria com a Sedap (Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca do Pará) e com a Ceplac (Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira), financiado pela Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), está analisando a situação de ambas as cadeias em municípios paraenses para subsidiar estratégias capazes de aumentar seu impacto socioeconômico e ambiental dentro do Estado.

Segundo a diretora adjunta de Desenvolvimento Territorial do Ipam, Lucimar Souza, devido à relevância do açaí para a economia e para a nutrição da população, “agroindustrializar e exportar os produtos que fazem parte da dieta do povo local pode ser um caminho perverso com as comunidades amazônicas caso não sejam previstas medidas preventivas”.

Fonte: Ipam

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