O texto de Elias Ribeiro Pinto sobre o vírus



Parece que nos sequestraram esses dois últimos anos, desde que a Organização Mundial de Saúde declarou a pandemia do novo coronavírus, em março de 2020. Naquele momento, como num estalar de dedos, o mundo à nossa volta sumiu.
Já não podíamos encontrar amigos no boteco, tomar um café expresso na esquina, no shopping, visitar as filhas, o neto, passar na única banca de revistas que eu ainda visitava regularmente, fazer as compras no supermercado, ir à feira, à praça ou simplesmente sair para andar. Sem garagem, o carro, quando veio a quarentena, ficou defronte de casa por longas semanas, com raras e necessárias incursões urbanas.
Receber pacotes dos Correios passou a merecer cuidadosa recepção higienizadora. Aliás, com a pandemia tornei-me comprador contumaz, diria feroz, de livros pela Amazon, o que até então jamais arriscara fazer. As idas semanais às livrarias físicas se converteram em visitas virtuais diárias, obsessivas, ao gigante de vendas on-line. Admito: fiquei fascinado com a possibilidade de ter acesso a títulos e editoras que raramente chegavam à capital paraense. Hoje me vejo com dificuldade para romper essas amarras e retornar às livrarias de rua (e às de shopping), sufocadas pela competição desmedida. Ainda mais em Belém, distante das grandes editoras.
Ao voltar os olhos para esses dois anos passados, é como se flutuássemos num tempo estatelado, chapado, a que o calendário não impôs a rasura das datas. O que temos de mais palpável são as mortes de familiares e amigos alcançados pelo vírus. No entanto, não são mortes compartilhadas, nos rituais de despedida, pelos que ficaram, e assim assinaladas na memória. Mal notamos que um ano, em alguns casos, já quase dois anos se passaram desde que se foram.
Nós brasileiros, em particular, vivemos (modo de dizer) duas pandemias, a da Covid-19 e a da bestialização comandada pelo bolsonarismo que engolfou o país em bile rancorosa. Quando digo nós, brasileiros, refiro-me aos que não se deixaram imobilizar, em camisa de força ideológica, nos currais da ignorância.
Se a pandemia, literalmente, nos imobilizou em casa (a quem teve essa possibilidade), no home office (idem), liberando-nos pouco a pouco conforme, enfim, avançava a vacinação, o negacionismo bolsonarista (mas afirmativo em seu caráter destrutivo imperioso) nos lançou numa luta diária em defesa da democracia, da razão, da ciência, drenando-nos, na batalha corpo a corpo (com familiares, vizinhos, amigos, colegas de trabalho), um tanto das nossas forças empenhadas no resgate de um Brasil de novo reintegrado à civilização.
Um mês atrás testei positivo para a Covid. Superei – ancorado nas três doses da vacina – sem maiores dificuldades o vírus. Poucos dias atrás, por força de uma incontornável celebração familiar, pela primeira vez, nesses dois anos, tirei a máscara num encontro com mais de vinte pessoas. Não quis parecer o ranheta, que sou, na defesa dos protocolos sanitários. Mas não me senti bem, confortável, à vontade.
Ainda não reencontrei, à larga, os amigos. Pelo que eles dizem (alguns tendo enfrentado o vírus quando a vacina ainda não estendera seu escudo protetor), sentem-se fatigados, entre outras sequelas. Será interessante, quando nos reencontrarmos, e tirarmos as máscaras, mais que vermos, sermos vistos, refletidos nos olhos amigos, constatarmos o próprio envelhecimento, talvez mais que esses dois anos causariam em sua cronologia dita normal.
Capaz de parecermos mais que cansados ou envelhecidos, sugados. Menos pela Covid-19, mais pelo enfrentamento com o vírus bolsonarista.

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