O fim da Amazônia

 

Por Lúcio Flávio Pinto 



Esta é uma das fotos mais chocantes que já vi sobre a ocupação, a integração, a colonização, a submissão e a destruição da Amazônia por agentes externos, hoje mais conhecido como atores ou protagonistas, adjetivo que maquila a sua condição de exterminadores.

Com diversas definições, essa frente avassaladora fulmina a região há 70 anos. Nunca houve nada igual antes. Nem haverá depois. Dentre outros motivos, porque grande parte do que havia já desapareceu ou empobreceu, com baixa recuperação ou regeneração. Certas partes da região deixaram de ser Amazônia. Viraram sertão, um imenso sertão, um desolador sertão por detrás de carrões, mansões e construções que avançam para o céu, proclamando a vitória das suas vontades contra a força e a sabedoria da natureza, esta órfã.

Cenas de fogo se tornaram rotineiras, mesmo que nada informem, esclareçam ou instruam. Afinal, o chefe da horda, colocado no cargo de presidente da república pelo voto popular, sentencia: a floresta, por ser úmida, não pega fogo. O que vemos é miragem, fantasia com desvio (ou viés) ideológico, satanismo. O rei está nu, mas os circunstantes elogiam o seu traje, cortado pelo melhor costureiro. O que diz é sentença de fogo.

A cena desta foto, porém, é única. diluviana e antediluviana, como se remontasse séculos atrás, à época das canoas como único meio de transporte pelos rios. Entre 200 e 300 embarcações se agruparam no Madeira, o maior e mais volumoso de todos os afluentes do rei dos rios, o gigante Amazonas. Não integram uma expedição, como a jornada épica de Pedro Teixeira, que, no século 17, subiu o desceu o mar doce, indo até Quito e de lá voltando, num trajeto de 13 mil quilômetros, iniciado com mais de mil acompanhantes.

Essas embarcações da foto, apequenadas pela distância em relação ao fotógrafo em avião, são balsas. Carregam motores, equipamentos, peças, produtos químicos, gente, ambição, cobiça, periculosidade, selvageria e morte. Reunir tantas assim, dirigidas a um local convencionado, com, o mesmo propósito, definidas as tarefas, ignoradas as leis e qualquer preocupação de civilidade, demandaria tempo, movimentação, providências. Jamais poderia permanecer invisível.

Mas a investida agressiva só se tornou pública quando essa imagem se formou, nesta semana. O que fizemos para tornar possível esse crime anunciado? O que, por não fazermos, autorizamos? Como bandidos, criminosos, canalhas e gente inescrupulosa em geral, com roupa manchada pelo contato com o front das iniquidades, ou (fora de cena, no local por excelência da história deste nossos dias, os tais bastidores) de colarinho branco, falando e agindo como um desses Salles de aparência urbanizada, ousou tanto?

A ousadia é tal que, provocado o reboliço, acionados os últimos alertas da república, os bandos aquáticos se dispersaram, cientes de terem criado um cenário de delinquência explícita. Vão ficar na moita para esperar o impacto passar, as vozes se calarem e a indignação se desfazer, como sempre. Aí, voltarão ao ataque, sugando o rio atrás do ouro que supõem escondido, remexendo o leito do grande rio, transformando-o em lama, conspurcando suas águas e adiantando o fim da Amazônia.

O dobre de finados já soou. Quem não o escuta partilha a autoria do crime.

A imagem que abre este artigo é de autoria de Bruno Kelly/Greenpeace.

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