ABUSOS EM FAMÍLIA - Vinte presos no Marajó vão responder por estupro contra crianças: não é cultura, é crime



O mundo gira e mudanças acontecem. Na região do Marajó, porém, uma horrenda e criminosa prática sobrevive ao tempo: o estupro de crianças e adolescentes pelos próprios familiares. Neste final de semana, a Polícia Civil do Pará, durante operação denominada "Resgate Marajó", prendeu 20 pessoas. Elas foram transferidas para Belém e vão responder a processo por abuso sexual.

Os mandados de prisões foram expedidos pelo poder judiciário da Marajó Oriental, A ação foi realizada pelas delegacias vinculadas a superintendência do Marajó Oriental, sob coordenação da Diretoria de Polícia do Interior (DPI), comandada pelo delegado titular José Humberto Melo Junior. Durante a operação, segundo informa a assessoria de comunicação da Polícia Civil, fez-se necessário uma logística diferenciada, já que os deslocamentos ocorreram pelos rios da região.


O assistente da DPI, delegado Rayrton Carneiro, disse que as investigações se intensificaram na região porque a demanda desses crimes sexuais "tem sido muito grande". Para o Superintendente da Região do Marajó Oriental, delegado Rodrigo Amorim, a resposta da polícia para esse tipo decrime, foi grandiosa e larga, além de importante para as pessoas daquela região e a sociedade.

A participação do Ministério Publico foi de fundamental importância para a investigação policial e a elucidação dos crimes, assim como o apoio dos demais órgãos de proteção que participaram diretamente, entre eles o Instituto Médico Legal (IML) do Centro de Perícias Renato Chaves, por meio das perícias técnicas, o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), por meio das escutas e encaminhamentos das vítimas. 

“Esse tema jamais deve ser tratado como tema cultural, pois o combate ao abuso e a violência sexual no Marajó tem sido tratado de uma forma sensível, combatido dia após dia, com um olhar diferenciado, pois a maioria dos abusadores vem de dentro da família", explica.

Vulnerabilidade social

Segundo a delegada da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM) do município de Soure, Thiciane Maia, esse tipo de crime não é tão simples de se entender, e como o trabalho vem sendo investigado dentro de uma região, como a do Marajó Oriental, que tem um alto índice de vulnerabilidade social, de todos os tipos, o desafio aumenta devido às peculiaridades da região, dentre eles os meios de deslocamentos e as localidades afastadas, o que exigiu todo um planejamento da equipe para chegar até os acusados.

Diz a delegada que o estupro de vulnerável, necessariamente não precisar obter a conjunção carnal e atos libidinosos, para ser detectado, pois o relato da criança, os detalhes em consonância com a pericia técnica, já revelam bastante coisas em relação ao abuso sexual. “Muitas crianças desconhecem, os atos sexuais, e por meio dos relatos e exames, nós adultos, conseguimos identificar o abuso claramente". 

Ela explicou que várias fugas de crianças e adolescentes, por exemplo, têm chegado até as delegacias, onde é realizado todo um trabalho, passando pelo processo de investigação. A parceria com as redes de proteção, dentre estas o CREAS, tem sido de fundamental importância para o esclarecimento dos crimes. 

Abusava da filha e dos netos

O delegado Guilherme Gonçalves, titular da Delegacia do município de Muana, detalhou um caso de abuso sexual em uma família, investigado por sua equipe. O abuso já ocorria desde a década de 90. O pai vinha tendo relacionamento com sua filha, uma criança de 10 anos de idade, mesmo vivendo com a esposa dele, que por ser deficiente e não ter condições de se expressar, acabou não denunciando o caso. 


“Após alguns anos o abusador, passou a abusar sexualmente de seus netos, que eram registrados todos no nome de sua esposa. Ele passou a ficar conhecido na localidade onde mora como pai-avô. Tudo era visto pela família de uma forma normal” salienta o delegado. 


Ele diz que esses casos intra-familiares são muitos difíceis de ser esclarecidos, porque há a conivência da mãe, que tem medo e depende financeiramente do marido, e as vezes ainda, por ser tratado como uma questão cultural pela família. Em Muana, ainda existem 28 casos em apuração, além dessas prisões , onde todos os envolvidos estão sendo responsabilizados criminalmente. 


Sobre o trabalho do Centro de Perícias Cientificas em relação a esses tipos de casos de exploração sexual contra crianças e adolescentes, o diretor do Instituto Médico Legal (IML) do Centro de Perícias Renato Chaves, Hilton Barros, informou que devido a dificuldade de deslocamento das vitimas, por causa da distância do local, será deslocado uma equipe de profissionais para realizar os exames periciais nas vítimas. 


A região do Marajó Oriental, especificamente no município de Muaná, a priori foi escolhida como sede dos exames. "Já existe uma demanda de aproximadamente 28 vítimas, e nos próximos dez dias serão feitos os exames periciais, com a contribuição e apoio da rede local, composta pela Secretaria de Saúde, Secretaria de Assistência Social e Polícia Civil", resume Barros. 


"Combater esse mal", diz Henriqueta


A irmã Marie Henriqueta Ferreira Cavalcante, da Comissão Justiça e Paz da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), ressaltou que, enquanto representante da sociedade Civil, se sente alegre e feliz em ver ver o bom resultado da operação na elucidação dos casos de abuso sexual. “O que for preciso, para contribuir no esclarecimento destes fatos, para a Polícia Civil e a rede como um todo, a instituição estará, sempre apta, de portas abertas, para colaborar, resguardar e, acima de tudo, proteger as crianças e adolescentes". 


"Jamais essa situação deve ser vista pela sociedade, ou em algumas regiões, como algo simplesmente cultural, ao contrário temos que dia após dia combater esse mal, finaliza irmã Henriqueta. 


A Operação "Resgate Marajó" está em sua 1º fase. O nome faz referência à complexidade existente na apuracão dos casos de abuso e exploração sexual, pois em grande parte dos casos, os abusos ocorrem por pessoas da família, tornando a vítima refém dessa nefasta violência que lhe retira a infância e o direito de crescer em um ambiente seguro. (Do Ver-o-Fato, com informações e texto de Luiz Cláudio Oliveira, da Ascom da Polícia Civil).

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