Mobilidade Urbana - a sufocada Belém




Modelo de barcos de uma linha fluvial de verdade, como a da Cantareira, no Rio, com capacidade para
350 passageiros e preço do ônibus com bilhete único integrado ao sistema de transporte coletivo.


FRANCISCO SIDOU

Não deu para conter o espanto diante da notícia de que a prefeitura de Belém vai construir um corredor do BRT de São Brás até o Ver-o-Peso, usando o já saturado corredor de tráfego da Governador José Malcher. Com apenas um terço da obra do BRT realizada, durante doze longos e sofridos anos para o povo de Belém, com quase 90% dos recursos inicialmente previstos (R$-496 milhões) já "consumidos", é incrível a falta de planejamento e excesso de açodamento na condução dessa "obra de Santa Engrácia". Outro dia , em entrevista ao "Programa Linha de Tiro" , do Blog Ver-o-Fato, o competente mestre de Engenharia e Urbanista Nagib Charone disse com todas as letras que o projeto do BRT, mal concebido e pior executado, não ficará pronto nem daqui a 10 anos. E mais: quando concluído já estará superado como opção para descongestionar o pesado tráfego e já quase insuportável trânsito da cidade.
Em janeiro de 2016, como parte dos festejos pelo aniversário de Belém, o prefeito Zenaldo Coutinho chegou a "inaugurar" festivamente uma linha fluvial urbana Icoaracy/Belém, sob os aplausos da mídia camarada e contribuição de uma empresa amiga. Ao preço de R$-10, a fracassada linha só teve três viagens: a primeira lotada de assessores e amigos do prefeito, com boca livre total; a segunda com quatro turistas pagantes e a terceira, com apenas dois passageiros, também visitantes.
Na ocasião, a iniciativa do prefeito foi considerada por um famoso colunista como um verdadeiro "Ovo de Colombo"...
Ovo de Colombo é uma expressão popular que significa algo muito difícil de se realizar, embora pareça muito fácil depois de concretizado. É também uma metáfora usada para se afirmar que qualquer um poderia realizar o feito. Na verdade, vimos pregando no deserto a ideia do transporte fluvial urbano, como melhor saída para o sufocante tráfego de Belém, há mais de 20 anos. Não reivindicamos qualquer título ou medalha, muito menos o epíteto de "pai da criança". Sempre defendemos ideias de melhorias para Belém , como uma espécie de cronista não oficial da cidade, apontando problemas, mas, também, indicando sugestões e ações prospectivas de gestão.
Na década de 80, como jovem repórter de "A Província do Pará", cobrimos uma coletiva com os então também jovens técnicos japoneses da Consultoria Internacional Jica , quando apresentaram seu Projeto de Desenvolvimento do Tráfego Urbano (PDTU) para Belém, após dois anos de pesquisas e estudos criteriosos, com aquele rigor e seriedade que são marcas características da cultura japonesa.
Com base em premissas técnicas, alertavam então que Belém poderia "travar " por volta do ano (então longínquo) de 2010, caso não fossem adotadas as medidas, obras e serviços listados em seu bem elaborado Plano. Lembramos claramente que, dentre as obras programadas para desafogar os principais corredores de tráfego da cidade (os mesmos de hoje), constavam dois anéis viários, um no Complexo do Entroncamento e outro no Largo de São Brás, ambos com elevados que permitiam o fluxo contínuo do tráfego, sem sinais de três/quatro tempos, de nenhum tempo. Elevados nos principais cruzamentos da Av. Almirante Barroso - Lomas e Humaitá.
Na Bandeira Branca previa um túnel com duas pistas para facilitar o acesso à Ceasa dos veículos pesados e evitando novos sinais na Almirante Barroso. Outra recomendação: construção de Terminais de Integração , um em São Brás e outro na atual Praça "Waldemar Henrique". Também indicavam a adoção do metrô de superfície então já existente em várias cidades com mais de 1 milhão de habitantes. Quantos gestores tivemos desde então? Seis ou sete? Nenhum deles procurou dar continuidade ao Plano da Jica, preferindo marcar sua "passagem" com alguma obra que pudesse chamar de sua.
O prolongamento da João Paulo II (outra obra planejada pelo PDTU dos japoneses) também ficou pela metade e ainda faz parte de promessas de todas as campanhas eleitorais há mais de 30 anos. A única obra positiva foi construída com verba federal pelo governo do Estado, que é a Nova Independência, facilitando o acesso à BR-316, sem passar pelo Entroncamento de cerca de 20 mil veículos, diariamente. As demais iniciativas como soluções "cosméticas" para os problemas de mobilidade urbana, apenas os tem agravado, como intervenções do tipo de inversão de mão em algumas vias, cocadas baianas e tartarugas do asfalto , como balizadores do trânsito, entre outras ações típicas da improvisação e da falta de continuidade no planejamento e na gestão do tráfego da cidade.
Em Belém circulam hoje cerca de 500 mil veículos (na época do PDTU dos japoneses da Jica eram apenas 100 mil ) e a cada mês mais dois mil veículos são liberados para rodar praticamente pelas mesmas e já congestionadas ruas. As vias de uma cidade são como as veias do corpo humano: quando entopem provocam o colapso do organismo. Todos sabem, menos as "autoridades competentes", que a solução para os graves problemas de mobilidade urbana de Belém não virá com o sistema BRT, cuja execução atabalhoada só tem contribuído para ampliar os problemas enfrentados diariamente pela população.
Além disso, já foram consumidos mais de R$ 350 milhões e a obra continua emperrada, atrapalhando o tráfego ao invés de desafogá-lo. A solução natural e menos onerosa sempre foi a criação de linhas fluviais urbanas interligando Belém a Mosqueiro/Icoaraci/Outeiro.
Como anunciado, apenas com um barco operando, a preços para turistas, o "Ovo de Colombo" pode acabar se transformando em "Ovo da Serpente", no sentido da frustração que pode gerar na população, após o "bombardeio" da propaganda e dos elogios da mídia camarada em trombetear a "grande sacada" tardiamente anunciada aos quatro ventos.

Postar um comentário

0 Comentários