Quero fazer um "selfie" com dona Bené

Adorável trapalhão?
Professor Orlando Tadeu

O comediante Renato Aragão experimentou, recentemente, todo o carinho de seus fãs quando esteve internado com sérias complicações em sua saúde, levando-se em consideração seus quase oitenta anos de idade. Ele teve uma carreira de sucesso, tanto na televisão quanto no cinema, com décadas de programação televisiva e inúmeros filmes, onde ostentava a condição de astro na pele do Didi Mocó, referência a sua procedência nordestina.
Com todo esse currículo, seria natural esperar que o público o assediasse em busca de autógrafos ou, na era das redes sociais e selfies, de fotos compartilhadas. Isso era o que pensava um desatento e incauto manobrista de um shopping carioca que cometeu a indelicadeza de pedir para tirar uma foto com seu ídolo. O cearense arretado não gostou de ser assediado tão insidiosamente e, do alto de sua estatura global, “demitiu” o rapaz.
Esse e tantos outros episódios envolvendo as tais celebridades me fizeram dialogar com meus não tão célebres botões e fazer a pergunta: O que é e o que faz com que alguém seja alçado à condição de celebridade? Uma moça que vai a uma faculdade com um vestido curtíssimo e causa frisson na rapaziada? Uma popozuda que tira fotos sempre de costas para mostrar seu talento? Ou um atleta profissional que sai dos treinos para posar e ser capa de revista? E quando chega a fama, o céu é o limite para tanta ostentação, isso num país que ainda necessita de programas assistenciais para evitar que milhões passem fome.
Mas nenhuma celebridade nasce feita, ela é produto daqueles que a celebram. Só que para estes, não há cachê e, muitas vezes, nem mesma a atenção devida.
Mas vamos lá, caro leitor, vamos acordar com a Dona Benedita, Bené para os íntimos, às cinco da matina, esperar pelo primeiro ônibus, descer no Ver-o- Peso ou no CEASA, vê-la espremer a surrada e suada bolsa e comprar frutas e legumes para vender na feira perto de sua casa, numa jornada de mais de dez horas diárias, comendo em uma marmitinha o feijão com arroz para chegar a casa à tardinha, exausta, tendo ainda de cuidar do “de comer” para os quatro filhos, a nora de ocasião e os dois netinhos de sobra. Viaje comigo, leitor, nessa jornada, seja personagem dessa epopeia periférica, dessa sobrevida existencial, desse drama urbano que não se encaixa em nossas telenovelas nem nos faces ou redes sociais.
Dona Bené não tem popozão nem bolsa de grife, mas com certeza um de seus sonhos seria tirar uma foto ao lado do Didi Mocó. Não realizará esse sonho, assim como o infeliz manobrista.
Mas sabe de uma coisa, eu ficaria feliz, orgulhoso e muito prosa se tirasse uma foto com a Dona Bené, celebridade verdadeira, que luta no tatame da vida real, não dessas que fazem a vida parecer tão oca e virtual.
 
Orlando Tadeu Ataide Leite é professor, escritor.

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