Conheça a história do garoto de Magalhães Barata que se tornou ontem campeão da Copa do Brasil

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Athletico Paranaense ganha título com gol de Rony



Quem é Rony: conheça a história do atacante, destaque do Athletico, em dez momentos

Jogador supera infância muito pobre no interior do Pará e enfrenta rojões no Remo e frustração no Botafogo para brilhar no Furacão e chegar à final da Copa do Brasil


Por Alexandre Alliatti — São Paulo




Quem é Rony? Conheça a trajetória do atacante do Furacão

Ronielson da Silva Barbosa, o Rony, com meia década de futebol profissional, 24 anos, tornou-se campeão pelo Athletico da Copa do Brasil, na vitória sobre o Internacional em pleno Beira-Rio.


Vencedor da Sul-Americana como um reserva importante no ano passado, o atacante foi titular em todas as partidas no torneio nacional em 2019. Saído do norte do Pará, Rony viverá no outro extremo do Brasil, na capital mais ao sul do país, o ponto fundamental de uma trajetória que impressiona: que começa com a criança que dormia sobre papéis em uma casa de barro, que passa pelo trabalho como mototaxista e pedreiro, que lida com bombas jogadas pela torcida – até culminar nas arrancadas, nos dribles e nos gols em Curitiba.

1) A fome no Brasil profundo

Magalhães Barata é uma cidade de menos de 10 mil habitantes no norte do Pará. Rony não cresceu exatamente nela: cresceu em sua zona rural, uma localidade chamada Vila Quadros, 13km distante do centro da cidade, onde o sustento das famílias costuma sair da plantação de mandioca.

Rony é cria de Magalhães Barata, o ponto vermelho no mapa, no norte do Pará — Foto: Reprodução


Lá, foi criado entre quatro irmãos e sem o pai, que se separou da mãe quando Rony era criança. A situação foi piorando gradativamente: a mãe também passou um tempo fora, a avó morreu, e Rony e os irmãos chegaram a passar fome. Eles moravam em uma casa de barro e não tinham colchão onde dormir. Sobre a madeira da cama, colocavam pedaços de papelão e panos. Dormiam juntos.


Robson, irmão mais velho de Rony, lembra daqueles tempos:


– Nossa infância foi muito difícil. Nascemos numa família humilde mesmo, numa casa de barro. Foi muita dificuldade, muito sofrimento. (...) Papai separou da mamãe, foi embora. Morávamos com nossos avós, mas nossa avó faleceu, e ficamos só com o vovô. Passamos muita fome – diz Robson.



Em 2015, Rony passa férias com a família no interior do Pará



Quando não ajudava a família na roça, produzindo farinha de mandioca, Rony jogava bola. Foi lá que teve seu primeiro clube, o Grêmio de Vila Quadros. Aos sete anos, tinha que amarrar a camiseta, tamanho adulto, na cintura. Corria atrás da bola no campo de terra localizado na frente de casa. Já mostrava uma característica que o marcaria como jogador profissional de futebol: a arrancada com a bola nos pés.


Rony com a família em Magalhães Barata — Foto: Arquivo pessoal


As lembranças dos tempos difíceis não mudam a certeza de Rony de que aquela é sua terra. Nas férias, é para lá que ele volta. Hoje, a principal casa da vila pertence à mãe de Rony. Foi um presente do filho – com o dinheiro da primeira transferência que teve na carreira.

2) Os bicos como mototaxista e mecânico


Rony chegou ao Remo em 2012, com 17 anos. Incentivado por um amigo que morava em Belém, fez um teste no clube e foi aprovado. Ingressou no time sub-20, mas voltou para casa depois de perder a final do campeonato estadual da categoria para o Desportiva. Porém, o afastamento não durou muito. Regressou ao clube no ano seguinte, sob ordens do presidente do clube na época, Zeca Pirão.

Em Belém, Rony tinha que se dividir em três: treinava futebol, ia à escola para terminar o ensino médio e fazia bicos para se sustentar. Trabalhava no que pintava. Foi mototaxista, pedreiro, auxiliar de mecânico.


Rony fez bicos como mecânico e mototaxista — Foto: Reprodução


Enquanto isso, ia se destacando em campo, a ponto de logo passar para o elenco profissional, na época comandado por Agnaldo de Jesus, ídolo remista. Antes disso, porém, disputou a Copa São Paulo como titular. Ajudou o Remo a empatar por 1 a 1 com o Corinthians.


A estreia como profissional foi menos de três meses depois, no dia 26 de março de 2014. O Remo enfrentava o São Francisco no Mangueirão, pelo Campeonato Paraense, e a torcida vaiava o time, que perdia por 1 a 0, quando Rony (na época, a grafia era Roni) foi mandado a campo.


Ele entrou aos 17 minutos do segundo tempo. Oito minutos depois, fez o gol de empate. Recebeu em profundidade, desviou do goleiro adversário e comemorou com uma cambalhota, que viraria sua marca registrada ao celebrar gols.


Rony estreia no futebol profissional com gol pelo Remo


3) O empresário e o irmão no papel do pai

Foi em Belém, ainda como jogador de base, que Rony encontrou o homem a quem chamaria de pai. O atacante frequentava a mesma igreja que Hércules Júnior, empresário de jogadores. Eles se aproximaram, e Hércules passou a agenciar o atleta. Mas a relação foi muito além disso. Criado sem a presença do pai, Rony passou a ver no empresário uma figura paterna.

– Conheci o Rony quando ele ainda estava na base e cuidei de vestuário, alimentação, moradia. Isso faz quase oito anos, e hoje tenho o Rony como um filho. Certa vez, estávamos conversando e ele me falou isso, que via em mim a figura que tanto procurou e nunca teve. Ele realmente me chama de pai – conta Hércules.


Rony com o empresário Hércules Júnior — Foto: Arquivo pessoal


Robson, o irmão mais velho, também foi uma espécie de pai para Rony - e recebe manifestações de gratidão do jogador por causa disso. Foi Robson quem reaproximou o atacante do pai biológico, que mora em Terra Alta, a cerca de 80km de Magalhães Barata. Hoje, pai e filho mantêm contato regular.

4) A autorização para casar
Resultado de imagem para jogador Roni do Atlético e a esposa suane
A esposa de Rony também é do interior do Pará, de uma cidade chamada Igarapé-Açu, cerca de 50km distante de Magalhães Barata. Ela se chama Suane e foi apresentada ao atacante por um amigo em comum. Mas o relacionamento precisou da “bênção” do pai/empresário de Rony. Segundo Hércules, Suane procurou ele e sua esposa para se apresentar e ver se tinha a aprovação.
Fez bem. O mesmo Hércules havia orientado Rony a encerrar o relacionamento com outra menina – e o jogador acatou a sugestão.


Hoje, Rony e Suane têm um filho, Rony de Jesus, e esperam a chegada de uma filha, Ester, para o começo do ano que vem.

5) Os títulos em meio às bombas


Rony ficou no Remo até abril de 2015. Foi bicampeão paraense e colocou Flávio Caça-Rato, contratado como ídolo, no banco. Mas também viveu apuros no clube.

Ainda em 2014, Rony estava em campo com o elenco remista quando o treino foi interrompido pela chegada de uma torcida organizada. Rojões foram arremessados para dentro do gramado, e um deles estourou ao lado de Rony. O jogador desabou no chão e precisou de atendimento médico.



Torcida do Remo invade treino com rojões e faz ameaças



Os jogadores receberam ameaças de morte. Como consequência, o técnico Roberto Fernandes e alguns atletas anunciaram a saída do clube. Mas Rony seguiu até o ano seguinte. Disputou a Copa do Brasil pelo Remo. O adversário, curiosamente, foi o Athletico. Dois empates por 1 a 1, com Rony como titular em ambos, levaram a disputa aos pênaltis, e aí o Furacão avançou.


Rony, pelo Remo, enfrenta o Athletico em 2015 — Foto: Akira Onuma/O Liberal


Do Remo, Rony foi para a base do Cruzeiro. Ficou no time sub-20, pelo qual disputou quatro campeonatos (foram 28 jogos e seis gols). Antes de ter chances no elenco profissional, acabou cedido ao Náutico. Lá, sua carreira ganharia impulso.

6) As aulas com Kuki (e o vídeo de Zidane)

Rony já começou a temporada seguinte como titular do Náutico. Mas demorou a transformar a oportunidade em gols. Fez apenas três no Campeonato Pernambucano e não conseguiu levar o Náutico a um resultado melhor do que o terceiro lugar.

No Timbu, ele foi criticado por dificuldades de finalização, por desperdiçar chances. Isso ligou o alerta em Kuki. Ídolo histórico do Náutico, o ex-atacante trabalhava como auxiliar técnico e resolveu investir em Rony depois dos treinos.

– O Rony já era muito rápido, mas faltava coordenação. Com a coordenação, vai chegar a finalização, o jeito de pegar na bola. É mérito dele. Ele que colocou em prática. Fazíamos treinos específicos, de finalização mesmo. Eram situações de jogo, cruzamentos, dar o facão. O principal era tirar o marcador do conforto, colocar minhoca na cabeça do marcador. Ele tem muita velocidade e agora também tem a coordenação – comenta Kuki.


Rony comemora gol com cambalhota, sua marca registrada, pelo Náutico — Foto: Aldo Carneiro / Pernambuco Press

O trabalho incluiu até vídeos de Zidane treinando. E deu resultado. Ainda em 2016, Rony passou a se destacar na Série B do Brasileirão justamente pelo faro de artilheiro. Foi o goleador do Náutico na competição, com 11 gols, e quase comandou a subida do time para a Série A. O Timbu terminou em quinto, a três pontos da classificação.




No fim do ano, Rony foi negociado pelo Cruzeiro com o Albirex Niigata, do Japão.

7) O sonho abaixo de neve

A primeira experiência internacional de Rony foi do outro lado do mundo. Ele defendeu o Albirex Niigata por um ano. Disputou três competições. Fez 36 jogos e marcou oito gols – dois deles em seus dois últimos jogos pelo clube.
Mas o começo foi abaixo de neve. O cenário impressionou o jogador saído do calor do Pará. Hércules Júnior conta a reação de Rony ao primeiro contato com a vida no Japão.
– O Rony nunca reclamou de nada. No dia em que chegamos ao Japão, tinha dez centímetros de neve no campo. Ele foi treinar, depois chegou em casa e falou assim: “Homem, teve uma hora que olhei pra cima e passou na minha cabeça tudo que vivi na infância para chegar até aqui. Daqui não volto, cara. Vou arrebentar”.


Rony em ação pelo Albirex Niigata, do Japão — Foto: Gett Images


Mas a adaptação não foi fácil. Rony estranhou a comida japonesa. Apelou para doses repetidas de macarrão e banana e começou a utilizar um site com entrega de comida brasileira para se sentir um pouco mais em casa.
A experiência em campos japoneses duraria apenas uma temporada. E traria problemas ao jogador.

8) Quase no Botafogo, quase no Corinthians, enfim no Athletico


Em 11 de janeiro do ano passado, Rony foi anunciado pelo Botafogo. O clube mostrou o jogador sorridente em uma foto, vestido com a camisa alvinegra, acompanhado de uma mensagem de boas-vindas. O porém é que ele jamais defendeu o Botafogo.



Rony é oficializado pelo Botafogo, mas negociação tem reviravolta, e ele jamais atua pelo clube — Foto: Reprodução/Twitter

É uma história confusa. Rony fez parte de uma negociação com o Cruzeiro envolvendo a ida de Bruno Silva para o clube mineiro. Mas havia um problema: o Albirex Niigata, quando contratou Rony por uma temporada, se protegeu com uma cláusula que permitia a renovação por mais três anos. O clube japonês, ao saber do acerto do atleta com o Botafogo, exigiu ressarcimento – ou o atleta de volta.
Rony chegou a escolher apartamento no Recreio dos Bandeirantes, onde moraria durante sua passagem pelo Botafogo. Mas acabou tendo que retornar ao Japão para pleitear uma liberação. Ele desembarcou em solo japonês no dia 13 de fevereiro do ano passado. Os problemas, porém, estavam apenas começando.

Nos meses seguintes, Rony e o Albirex Niigata entraram em briga judicial. Os representantes do jogador diziam que ele estava livre; os representantes do clube japonês alegavam abandono de emprego. No meio do imbróglio, surgiu o Corinthians, com uma proposta de três anos de contrato. As negociações avançaram durante abril e maio, e o atacante esteve em vias de ser contratado pelo clube paulista, que recuou na última hora, temeroso de perder a disputa judicial com os japoneses – mesmo que a Fifa tivesse autorizado a transferência.


Rony passou quase dois meses treinando no CT do Athletico antes de poder estrear — Foto: Monique Silva

E aí quem entrou na jogada foi o Athletico. No começo de julho, o Furacão já abrigava o atleta em Curitiba e oferecia seu CT para ele treinar. No fim de agosto, o clube recebia autorização da Fifa para ele ser anunciado e, um mês depois, poder estrear. E com gol. Em 2 de setembro, fez o segundo gol da vitória de 2 a 0 sobre o Bahia pelo Brasileirão.




9) A paz em Curitiba

Rony soma 57 jogos pelo Athletico. Tem dez gols e cinco assistências pelo clube. Vive o melhor momento da carreira: angariou o carinho da torcida, amadureceu como jogador, vem se acostumando a conquistar títulos. Sente-se em casa em Curitiba – a ponto de ir às ruas, madrugada adentro, entregar comida para moradores de rua.


Rony entrega comida para moradores de rua em Curitiba — Foto: Reprodução

A adaptação ao Athletico foi gradativa. No primeiro ano no clube, Rony só começou jogando seis partidas. Em outras 17, entrou durante o jogo. Foi se tornando uma espécie de reserva com banca de titular. Em todos os oito jogos das oitavas de final até a decisão da Sul-Americana, viveu o mesmo cenário: começou no banco, foi a campo no segundo tempo (fez um gol contra o Fluminense, nas semifinais). Foi campeão.


Rony comemora com Pablo, hoje no São Paulo, gol contra o Fluminense pela Sul-Americana de 2018 — Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo


A consolidação veio em 2019. Rony se tornou titular e uma das peças-chave do time. Começou jogando todas as partidas na campanha encerrada nas oitavas de final da Libertadores. Também começou jogando todas as partidas na caminhada até a decisão da Copa do Brasil. Voltou ao Japão para fazer um dos gols no título da Copa J. League/Conmebol – em goleada de 4 a 0 sobre o Shonan Bellmare.

10) O Maracanã como lar


Rony cresceu perto de Maracanã. Mas não o estádio: a cidade de mesmo nome separada de Magalhães Barata pelas águas do Rio Capirí. Lá no norte do Pará, onde as terras brasileiras quase acabam, o outro Maracanã, o principal estádio do mundo, era um sonho distante.



Veja golaço de Rony contra o Flamengo no Brasileirão do ano passado



Mas o sonho seria alcançado. Dois dos principais momentos de Rony com a camisa do Furacão aconteceram no Maracanã. No ano passado, ele fez um golaço em vitória de 2 a 1 na última rodada do Brasileirão. Este ano, marcou outra vez contra o Flamengo, desta vez pela Copa do Brasil.



Veja o gol de Rony contra o Flamengo pela Copa do Brasil


O gol garantiu o empate por 1 a 1 que levou aos pênaltis a disputa por vaga nas semifinais do torneio. O Athletico passou, depois passou também pelo Grêmio, e tudo isso deu a Rony a grande chance da carreira: ser campeão da Copa do Brasil!

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