Quando a alegria enche o coração e a alma

André Costa Nunes ao centro

Auditório da ALEPA, Assembleia Legislativa do Estado do Pará, solenidade de entrega de medalhas de Qualidade de Vida Ambiental no Pará

Por André Costa Nunes

Orador oficial, diz-que…

Houve um tempo em que, sem nenhum compromisso com as verdades formatadas, eu pensava: Deus primeiro fez a Amazônia, exatamente o Pará, depois fez um homem e uma mulher. E disse-lhes crescei e multiplicai-vos. Deve ter dito também… e sejam felizes.

Pensem bem, em que outro lugar do Planeta poderiam viver, um homem e uma mulher sem roupas? Sem frio, neve, terremotos, tsunamis? Em que o ano inteiro tivesse folha, flor, raiz, fruto, sol e chuva na medida exata? Em que outro lugar existem o Marajó, Marudá, Alter do Chão, Xingu, Tapajós, Curuá, Curuái, Lago Grande, Tocantins, Uriboca, Uriboquinha, Mosqueiro, Maiandeua, milhares de ilhas, grandes, pequenas, ilhotas? Rios grandes, enormes e igarapés?

E tucumã, mandioca, macaxeira, castanha-do-Pará, cupu, bacuri, pupunha, açaí, taperebá, cacau, uxi, sei, lá, gente é tanta coisa… e anta, veado, paca, cotia, macaco… e arara, jacu, jacamim, nambu, papagaio… e jaboti, tracajá, pitiu, tartaruga, muçuã, perema… e peixe-boi, pirarucu…

É, seu parente, o Éden é aqui!

E, creio, minha geração já o recebeu assim. Pronto, preservado, não precisava fazer muito esforço para usufruir essa Qualidade de Vida Ambiental. Isso, já se vê, pelos meus cabelos brancos, já faz um bom tempo…

Mas, sempre tem que ter um “mas” para atrapalhar, os homens não estavam satisfeitos. Não que se precisasse abrir mão do progresso, do conforto, das conquistas legítimas da humanidade. Não é isso que se quer. Eu, caboco do Xingu, sonhava com um meio termo. Como é moda hoje, um TAC – Termo de Ajustamento de Conduta com a natureza. Acordo de compadres, como secularmente se fez.

O Grande Rio e os rios, sempre foram os mandatários de todos os destinos nessa imensa e “ridente” Amazônia. Nunca, que se saiba, abusou de tão grande autoridade, outorgada pela própria Pacha Mama.

Os rios eram as estradas. Morava-se nas suas margens. Terra firme e várzea. Várzea alta, várzea baixa. Na calha do Amazonas as ilhas são de várzea. Quem vive nas ilhas que alagam, respeitam as águas. Fazem suas casas sobre estacas de maçaranduba ou acariquara. Palafitas. Não tem essa de inundação, calamidade. Todo mundo sabe até onde vai a água, ficam as marcas nos paus. Marcas das enchentes dos outros anos. Não há enxurrada como se vê mundo a fora. Onde não há maré, ela vem uma vez por ano. Vem devagar, como a pedir licença ao compadre. Inunda, fertiliza, faz piracema. Deixa fartura e se retira. Só volta no próximo ano.
Presidente da Alepa, Márcio Miranda, o homenageado André e o deputado ecologista Raimundo Santos
O bom de se ficar velho é, como diz Gabriel Garcia Marquez viver para contar. E é só…

Vivi intensamente a Amazônia, vivi Altamira, Santarém, Vigia, Marituba mesmo antes de ser. E minha querida Belém. Não sou do tempo dos igarapés urbanos que faziam sonhar os barões da Belle Époque com um misto de Paris com Veneza. Mas conheci bairros inteiros com dezenas de igarapés preservados. Coqueiro, Tenoné, Icoaraci, Maracacuera, Una. E, logo ali, bem colados, Ananindeua e mais, estrada a fora. Estrada de ferro.

Todos os da chamada Região Metropolitana de Belém, tornaram-se esgotos a céu aberto. Até, menos de um ano atrás, dois escapavam: os rios Uriboca e Uriboquinha, nascendo em Marituba para desembocar no Guamá, já em Ananindeua. Eram, para nosso orgulho os únicos rios ainda não poluídos de todas as áreas metropolitanas do Brasil, disso se falará em outra oportunidade. E, eu juro, se falará!
O dicurso
Pois é, gente, isso tudo que se disse foi para demostrar, que não é tão difícil cumprir aquele TAC de que eu falei antes. Se não dá para fazer tudo, é possível fazer muito. Um bom começo é parar a degradação.

Há quase meio século, um amigo, guru e cientista, Doutor Joaquim Lopes apresentou-me ao rio Uriboca/Uriboquinha. Havíamo-nos conhecido em Santarém, em fins de 63, começo de 64. Ele com mais de sessenta anos, eu com pouco mais de vinte. Ele, agrônomo do Ministério da Agricultura, e eu, Agente de Crédito às Cooperativas. Banco da Amazônia. Sonhávamos em criar tartaruga e pirarucu. Naqueles tempos, sonhar não tinha idade.

Não deu.

Encontramo-nos sete ou oito anos depois já em Belém. De permeio houve um golpe, uma ditadura e a diáspora.

Logo que nos encontramos, antes mesmo do “como tens passado”? Começamos a falar de ecologia. Pirarucu e tartaruga. O sonho não havia acabado!

Ninguém pensava em ganhar dinheiro. Banco da Amazônia, SPEVEA/Sudam, não estavam nos nossos planos. Essas coisas não cabem em sonhos.

Ele foi quem descobriu o tal terreno do Uriboca. Pense naquela estradinha há mais de quarenta anos…

Já quase não havia floresta. Era tudo roçado de mandioca. Roça de terra ruim, pedra, piçarra. O tal rio Uriboquinha, uma poça de lavar roupa. Ele, quase setenta anos, entusiasmado. Eu desanimado. E fazia planos à beira de um baixão seco: André, daqui a 30 anos, ninguém vai reconhecer este lugar. Só as pedras por viram como era antes…

Éramos dois lisos. Ele, funcionário público e eu motorista da Coca-Cola. Só deus sabe como compramos, à prestação, aquele terreno.

Reflorestamos mais de 15 ha com a ajuda luxuosa de macacos, cotias, tucanos, papagaios e sabiás.

O rio reviveu. Deu certo. O meu amigo cientista visionário tinha razão.

Com muita luta, percalços e alegrias, estamos fazendo nossa parte.

Assim, mais de quarenta anos depois, surgiu o TERRA DO MEIO. Um restaurante rural ribeirinho. A cara do Pará de sempre.

Certo dia apareceu por lá um deputado. Não era o primeiro a frequentar nosso restaurante. Modéstia à parte, dizem que a comida é muito boa, mas ele e sua gente não foram almoçar e, sim, falar de ecologia. Deputado Raimundo Santos. De repente, sentimos que não estávamos sós. Eu e os 78 colaboradores diretos do TERRA DO MEIO. “Todos”, mas todos mesmo moradores da vizinhança.

(Meus quinze minutos estão acabando)

E, assim, estamos aqui contando esta história de apreensão e de alegria, de que, não só de grandes projetos e orçamentos fenomenais se pode viver Qualidade de Vida Ambiental no Pará.

Neste momento, dirijo-me diretamente ao deputado ecologista Raimundo Santos e a toda à Assembleia Legislativa do Estado do Pará, que se faça um programa urgente de detecção e identificação de nascentes começando nas zonas urbanas, suburbanas e periféricas das cidades e, a partir daí ou concomitantemente, seu resguardo e proteção. E em pouco tempo, sem inversões fabulosas de dinheiro, estaremos protegendo os mananciais e veremos nascer empreendimentos simples, sustentáveis para o povo. Serão centenas, milhares de TERRAS DO MEIO… e o mais importante: talvez o povo passe a gostar de ver e cuidar das nascentes bem ali, na vizinhança, ao alcance das crianças e idosos.

Será povo vendo água pura brotar e murmurar a canção primeira da natureza. Aí será mais difícil aos agentes do mal plantarem, nestas fontes, aterro, concreto, lixões.

Obrigado.






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