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A Globo e a meritocracia na educação


O Jornal Nacional começou uma espécie de "Caravana JN da educação" pelo país. Ela já havia sido anunciada desde a semana passada, com algumas reportagens sobre o "perfil" da educação brasileira.
Junto com a tal "caravana", o JN consulta sempre o famoso "especialista", espécimen acima de qualquer suspeita, oráculo do fato nu.
O "especialista em educação" da vez é Gustavo Ioschpe (curiosamente um economista, não educador), atento e anotando tudo em sua caderneta (outro símbolo de que ali tem um "especialista", visto que economistas da educação não usam jalecos brancos). Ioschpe escreve inclusive textos como esse, condenando os sindicatos existentes e favorecendo certa ideologia da meritocracia.
Para o meritocrata a meritocracia não é uma ideologia.
Mas é muito curioso notar aqui algo muito simples. Ninguém nega que o mérito é um valor inerente às relações trabalhistas, pelo menos desde que "teorias" de famosos "gestores" brasileiros como Carlos Augusto Taunay (considerados bastante "humanistas" e "técnicos" na época) saíram de moda. O mérito sempre se põe ao lado de perspectivas gerenciais, teorias motivacionais e também gestão de recursos, obviamente.
A tese implícita do JN é a de que o problema é muito mais econômico e de gestão do que relativo à educação. E isso tudo se resolveria por certa gestão baseada no mérito.
O JN até acerta aqui e ali, pois do governo ao professor é muito pouco provável que o sistema educacional brasileiro seja educacional de fato e de direito. Basta ver a eterna busca de bodes expiatórios (também exercitada no Jornal) que vai do gestor à família do aluno: o problema está sempre em todo lugar (pois tudo está errado) e nenhum lugar (pois para o professor o problema está na família e na gestão; para a família o problema está no professor e no gestor etc. etc…).
Mas na tal "prática", no sistema educacional brasileiro ocorre algo semelhante a diversas outras esferas brasileiras: uma espécie de pacto coletivo no qual toda e qualquer eficácia se transfere unicamente à competência de um de seus agentes, no caso o professor. Não é à toa por exemplo que o JN, compartilhando desse jogo de bodes expiatórios, olha com tanta atenção ao professor. E não é à toa que cada "bom" professor (veja-se aí a individualização de uma questão coletiva: o professor "bom", o "ruim" etc.) é obrigado a carregar consigo toda hora uma narrativa épica sobre seu próprio esforço. No Brasil, não há sistema a reger efetivamente e sob critérios institucionais mínimos a separação entre o que é um professor e o que não é, tornando a análise sempre um infinito caso a caso (daí a eterna necessidade do bom professor se valorizar enquanto o professor ruim, que é por definição um não-professor, ser suficientemente preservado para se preocupar apenas com a novela de amanhã).
Mas se naquelas linhas gerais o JN está aqui e ali "certo", ele se equivoca totalmente quando pretende passar por baixo do tapete aquela certa noção de gestão meritocrática.
Se o mérito é evidente em qualquer relação de trabalho do mundo civilizado, desconfie-se quando alguns, pregando uma  suposta ausência de ideologia, colocam o mérito como noção regedora de todas as outras. E a desconfiança nunca é demais quando requerem para um assunto de educação (a relação professor-aluno, por exemplo) o papel de um economista. Comprando o valor do mérito - o que é correto e até redundante, pois qual relação de trabalho não preza em tese o mérito? -, o espectador acaba comprando algo mais, pois pretende-se vender um modelo inteiro de gestão embasado em certa perspectiva de mérito.
E esse modelo de gestão meritocrático, muito bem assinalado pela revista apreciada pelo "especialista" do JN, deriva de círculos como o do  ex-ministro Paulo Renato (não por acaso Ioschpe está no "conselho de governança" de uma ONG na qual Paulo Renato é "sócio-fundador", os dois organizaram livros juntos, apresentaram palestras de linha comum e outras coisas mais);
Já comentamos aqui sobre as implicações destruidoras desse modelo (comparar o artigo de Ioschpe com o texto do link). Diante dele, não é por acaso a ênfase no professor. Ao invés de um sistema prévio regendo algo chamado "educação", em termos gerais o meritocrata brasileiro radicaliza a não existência desse sistema prévio maquiando-o com um pretenso rigor quantitativo. Como se vê no link acima, isso não garante nem a existência de bons professores, nem a existência de um sistema educacional.
Tenta-se passar a idéia de uma gestão não ideológica, quando no fundo a gestão da educação se reduz a um problema econômico de simples gestão. Qual educador concordará com isso? Nessa série de hipostasias, tenta-se apenas dar um jeito no jeitinho.

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