A Globo e a meritocracia na educação
O Jornal Nacional começou uma espécie de "Caravana JN da educação" pelo país. Ela já havia sido anunciada desde a semana passada, com algumas reportagens sobre o "perfil" da educação brasileira.
Junto com a tal "caravana", o JN consulta sempre o famoso "especialista", espécimen acima de qualquer suspeita, oráculo do fato nu.
O "especialista em educação" da vez é
Para o meritocrata a meritocracia não é uma ideologia.
Mas é muito curioso notar aqui algo muito simples. Ninguém nega que o mérito é um valor inerente às relações trabalhistas, pelo menos desde que "teorias" de famosos "gestores" brasileiros como Carlos Augusto Taunay (considerados bastante "humanistas" e "técnicos" na época) saíram de moda. O mérito sempre se põe ao lado de perspectivas gerenciais, teorias motivacionais e também gestão de recursos, obviamente.
A tese implícita do JN é a de que o problema é muito mais econômico e de gestão do que relativo à educação. E isso tudo se resolveria por certa gestão baseada no mérito.
O JN até acerta aqui e ali, pois do governo ao professor é muito pouco provável que o sistema educacional brasileiro seja educacional de fato e de direito. Basta ver a eterna busca de bodes expiatórios (também exercitada no Jornal) que vai do gestor à família do aluno: o problema está sempre em todo lugar (pois tudo está errado) e nenhum lugar (pois para o professor o problema está na família e na gestão; para a família o problema está no professor e no gestor etc. etc…).
Mas na tal "prática", no sistema educacional brasileiro ocorre algo semelhante a diversas outras esferas brasileiras: uma espécie de pacto coletivo no qual toda e qualquer eficácia se transfere unicamente à competência de um de seus agentes, no caso o professor. Não é à toa por exemplo que o JN, compartilhando desse jogo de bodes expiatórios, olha com tanta atenção ao professor. E não é à toa que cada "bom" professor (veja-se aí a individualização de uma questão coletiva: o professor "bom", o "ruim" etc.) é obrigado a carregar consigo toda hora uma narrativa épica sobre seu próprio esforço. No Brasil, não há sistema a reger efetivamente e sob critérios institucionais mínimos a separação entre o que é um professor e o que não é, tornando a análise sempre um infinito caso a caso (daí a eterna necessidade do bom professor se valorizar enquanto o professor ruim, que é por definição um não-professor, ser suficientemente preservado para se preocupar apenas com a novela de amanhã).
Mas se naquelas linhas gerais o JN está aqui e ali "certo", ele se equivoca totalmente quando pretende passar por baixo do tapete aquela certa noção de gestão meritocrática.
Se o mérito é evidente em qualquer relação de trabalho do mundo civilizado, desconfie-se quando alguns, pregando uma suposta ausência de ideologia, colocam o mérito como noção regedora de todas as outras. E a desconfiança nunca é demais quando requerem para um assunto de educação (a relação professor-aluno, por exemplo) o papel de um economista. Comprando o valor do mérito - o que é correto e até redundante, pois qual relação de trabalho não preza em tese o mérito? -, o espectador acaba comprando algo mais, pois pretende-se vender um modelo inteiro de gestão embasado em certa perspectiva de mérito.
E esse modelo de gestão meritocrático, muito bem assinalado pela revista apreciada pelo "especialista" do JN, deriva de círculos como o do ex-ministro Paulo Renato (não por acaso Ioschpe está no "conselho de governança" de uma ONG na qual Paulo Renato é "sócio-fundador", os dois organizaram livros juntos, apresentaram palestras de linha comum e outras coisas mais);
Já comentamos aqui sobre as implicações destruidoras desse modelo (comparar o artigo de Ioschpe com o texto do link). Diante dele, não é por acaso a ênfase no professor. Ao invés de um sistema prévio regendo algo chamado "educação", em termos gerais o meritocrata brasileiro radicaliza a não existência desse sistema prévio maquiando-o com um pretenso rigor quantitativo. Como se vê no link acima, isso não garante nem a existência de bons professores, nem a existência de um sistema educacional.
Tenta-se passar a idéia de uma gestão não ideológica, quando no fundo a gestão da educação se reduz a um problema econômico de simples gestão. Qual educador concordará com isso? Nessa série de hipostasias, tenta-se apenas dar um jeito no jeitinho.
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